Minha noiva abandonada



Durante turnê organizada pelo compositor Johnson Mayer pelo sul do país, nossa trupe fez uma parada em Marialva (PR), famosa na produção de uvas, para almoço na Churrascaria Rodízio Coligny. Estávamos eu, Johnson com seus dois filhos e o irmão Henry na varanda do restaurante, quando uma moça bem novinha, bem humilde, linda veio nos atender. Puxou seu bloco de notas e esperou que decidíssemos o que comer e beber, em meio a tanta bobagem falada, mas nada que fosse ofensivo.
Ficou ali, paradinha, confusa, até que não conseguiu disfarçar que se divertia com aquela mesa de malucos. Levou a mão esquerda à boca e ficou se segurando. Aquilo foi um incentivo para mais besteiras.
Durante o almoço, todas as vezes que ela vinha, falava sempre com a voz abafada pela palma da mão. Johnson apontou para mim e perguntou se ela não estava me reconhecendo. Olhou-me desconfiada e balançou a cabeça em negativa.
Ele então disse que eu era um cantor galã famoso no Rio de Janeiro. A moça me analisou por completo cheia de dúvidas. Deveria acreditar naquilo ou não?
A partir disso, sua atenção se concentrou em mim. Chegava com os pedidos e me olhava. Depois levava a mão à boca para esconder o riso.
Henry Mayer perguntou o seu nome e ela respondeu:
"Craudiceia."
“Como?”
“Craudiceia.”
“Craudiceia ou Claudiceia?”
“Isso. Craudiceia.”
“Ah... Claudiceia.”,
Ele interpretou, mas quis uma explicação:
"Mas... Claudiceia... Como é que lhe puseram esse nome, hem?"
"Foi minha mãe."
Contou que sua progenitora, já grávida dela, participava de um programa de auditório em uma rádio local, quando o descobriu na lista de presença dos espectadores.
"Ela 'punhou' o meu nome do livro."
"Punhou?"
"É. Ela 'punhou' (apanhou) o Claudiceia e me batizou."
Terminado o almoço, antes de seguirmos à Foz do Iguaçu, com direito a uma escala internacional pelo Paraguai, nós nos despedimos da nossa simpática atendente tirando fotos com ela. E ainda deixei meu autógrafo.
Os irmãos gaiatos avisaram que voltaríamos e que, a partir dali, eu e ela estávamos oficialmente noivos. Aquele compromisso colocaria juízo na minha cabeça.
Achei o nome Marialva bonito. Já Claudiceia...
Isso acontece muito, não é? Gente que se encanta com um nome que vê por acaso ou por querer homenagear alguém da família ou algum famoso.
É assim com Uoston Luiz, Gleice Kelly, Uelves Preslei e tantos que se vê por aí, escritos do jeito que os pais entenderam.
Um amigo do meu pai lá do Ceará, querendo homenagear uma parenta, foi ao cartório registrar o nascimento da filha e repetiu muitas vezes o nome Marta de um balcão comprido e afastado do escrivão que era meio surdo.
“Marta, Marta, Marta.”
O cara entendeu errado e colocou: Tamar. E assim ficou.
Conheci uma família onde todos possuíam nomes pouco convencionais: o pai Gaetano e a mãe Dionéia com suas filhas Gecilda, Cacilda e Cassionéia.
O que tem de nome diferente, esquisito, alguns até interessantes. Já outros...
E numa enxurrada, encontramos bíblicos, exóticos, exotéricos, indígenas, de trás pra frente, ecológicos... E nisso você tem Cau, Caê, Cauã, Flora, Begônia, Liz, Mazé, Piá, Porunga, Nadan, Agrícola, gente nova com nome de velha, gente velha com nome de nova, os modismos, como Lucas, Thiago, Vinícius e Vicente. Esses vieram como uma epidemia.
E se uma novela ou filme fazem sucesso, a mesma coisa. Foi assim com Suelen e Pamela do seriado Dallas. Muito complicado isso.
E quando você acha o nome de uma pessoa esquisito e cria um bloqueio para pronunciá-lo? É o caso do pai de uma arqueóloga que conheço. Ele se chama Clotário.
Toda a vez que eu precisei falar com ele, respirava fundo e dizia:
“Como vai, Seu... Clotauro?”
“Minha filha é arqueóloga, mas não sou dinossauro. É Clotário.”
Ele sempre corrigia orgulhoso do nome diferente.
Outra situação: durante caminhada pelas Paineiras com uma amiga, esbarramos com duas colegas de trabalho dela. Uma era sua chefe e se chamava Angela, mas fez questão de frisar que, fora do ambiente profissional, se chamava Paragu.
Pertencentes a uma religião do oriente, seus chamamentos foram devidamente escolhidos por um mentor espiritual.
A outra mulher me foi apresentada como Viragni. Gostei. Decorei fácil.
Já Paragu, achei feio. Percebi que teria dificuldade em assimilar. O jeito foi usar a seguinte tática: pensaria naquele país da América do Sul, o Paraguai. Não teria erro.
Mas era só me dirigir a ela e mandava um “Urugu”.
Muito tempo depois, tornei a encontrá-la numa roda de chorinho no Clube Lagoinha em Santa Teresa. Estava sozinha, sem a companhia de Viragni.
Como era mesmo seu nome? O recurso seria lembrar o país do sul, não o Uruguai, mas aquele que conheci durante nossa turnê até Foz do Iguaçu. E, inevitavelmente, me lembrei de Claudiceia, a bonita atendente de Marialva, a cidadezinha paranaense.
Nossa trupe não cumpriu o prometido. Não voltamos lá.
Alguns anos se passaram. Talvez estivesse casada com filhos ou, quem sabe, ainda noiva esperando o meu regresso. 
E eu ali naquela roda de chorinho.
“Paraguai”, pensei. “Essa é a dica."
A mulher veio vindo na minha direção. Dessa vez, não tinha como vacilar e a saudei cheio de confiança:
“Paragu!”
Nós nos abraçamos, nos beijamos e ela me informou a novidade:
“Não sou mais Paragu.”
“Não?”
“Meu mentor trocou meu nome de novo. Agora sou Sugatri.”
“Como é?”
“Sugatri. Não é melhor?”
“Ah... Que diferente! Que alegria!”, respondi com meu sorriso amarelo.
Por dentro, fiquei a repetir:
“Sugatri. Sugatri. Sugatri.”
Horas depois, já com algumas cervejinhas nas ideias, precisava comprovar que minha memória se mantinha viva. Abri os braços para ela e gritei para que todo mundo ouvisse:
“Chupatri!”

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