Engarrafados, mas felizes


          Muito bom fazer amigos e bagunçar, ainda mais quando se é bem novinho. A gente não mede consequências, não se prende às regras. Eu já fui assim. Talvez ainda seja um pouco. 
Lembro de uma vez em que voltávamos de São Pedro d’Aldeia, eu e duas amigas (Rosane e Anadir). Ônibus lotado. Final de feriado. Seguíamos com tranquilidade até que, de repente, tudo parou. Um engarrafamento absurdo desses que duram horas. Anadir já cochilava, como de hábito.
Os passageiros contrariados foram desembarcando para conferir. Nós também saímos e constatamos o mar de automóveis desligando seus motores, as pessoas saltando, adultos, crianças, cachorros. Isso foi no trecho da estrada entre Araruama e Saquarema.
De pronto, achei aborrecido, mas depois considerei uma aventura divertida. Na beira da estrada, muitos potes de barro, bichinhos de cerâmica e uma Branca de Neve com apenas três anões de enfeitar jardim. Mais ao lado, uma borracharia e uma birosca. Observei os passageiros do nosso ônibus abrindo pacotes de biscoitos, mastigando sanduíches.
Fui até a birosca e comprei logo um garrafão de vinho tinto, desses bem baratos e uma coluna de copinhos plásticos. Nós três começamos nossa bebericação e, já no nosso quarto copo, comecei a oferecer vinho pra um aqui, outro ali...
E uma descontração foi se espalhando a nossa volta.
“Pode apostar que vamos ficar aqui umas cinco horas”, comentou um senhor. “Todo feriado agora é isso. Sendo assim, melhor mesmo é beber.”
E eu fui percorrendo o ônibus de uma ponta a outra abastecendo os copinhos ávidos. Já bem alterado pelo efeito da bebida, fui lá para frente e contei piadas. Outros se animaram e quiseram contar também. Nessas horas, os gaiatos se manifestam rápido. Um cara foi lá fora e trouxe também um garrafão de um legítimo Sangue de Boi. E mais vinho rolou. Propus que cada um fosse se apresentando, dizendo seu nome, se era casado, o que fazia da vida e como havia passado o feriado. Após uma hora naquela paralisação, o ônibus começou um movimento lento e todo mundo aplaudiu. Puxei uma cantoria com músicas de Beto Guedes, Milton, Chico, Tom, Vinicius, Adoniran, Noel.
E um grande coro se formou. Uma alegria geral, uma catarse.
Quando finalmente alcançamos a Rodoviária Novo Rio, já haviam se passado seis horas de viagem. 
Quem viu chegar aquele ônibus na plataforma, certamente pensou que era uma excursão de amigos, pois todo mundo desceu entoando Canção da América (Milton Nascimento – Fernando Brant)
“Amigo é coisa pra se guardar debaixo de sete chaves...”

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