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Mostrando postagens de fevereiro, 2013

O coqueiro maldito

Sexta-feira, 12 de outubro de 1990. Eu, o amigo Maurício, a irmã dele Aurora e meu irmão Italo dentro do fusca azul viajando para mais um final de semana como outro qualquer na nossa casa de praia num condomínio em São Pedro d’Aldeia. Jamais poderia imaginar a tremenda encrenca em que nos meteríamos. A noite foi normal, tranquila. Deixamos as bagagens na casa, nos fartamos com as pizzas do restaurante Vovó Chica em Araruama, e nos enchemos de chá para digeri-las antes do sono. “Caramba... A gente só faz comer.” Dias antes, eu encarara um churrasco com piscina pelo aniversário do meu pai.   Nossa casa no condomínio Moinhos d’Aldeia era ampla com sala grande, boa cozinha, três quartos e varandão. Fora isso, meu pai construíra um anexo com uma suíte, sauna, garagem coberta e churrasqueira. Quando amanheceu o dia é que pude verificar a última novidade da casa: descansando sobre um cavalete, uma lancha tinindo de nova, branca, estofamentos confortáveis e branquinhos, um painel

Receita de família

Sexta-feira bem cedinho e eu tomando meu café com a TV ligada. Quando o telejornal terminou, a chamada do programa da Ana Maria Braga anunciava uma receita diferente: lasanha feita com pão árabe. Fiquei curioso e resolvi acompanhar. Ao invés da massa comum que se coloca intercalando ao molho, queijo, presunto ou carne, a apresentadora colocava fatias do pão. Depois levava ao forno para assar. Resolvi preparar uma e convidar os amigos Flavio e Bianca. Eu havia combinado com eles uma ida aquela noite aos Escravos da Mauá, roda de samba que acontece uma vez por mês no Largo da Prainha. Convite aceito, eles vieram e encontraram uma mesa bem posta. Abrimos um bom vinho e eu vim trazendo a lasanha esfumando. “Pelo cheiro, deve estar uma delícia”, comentou Bianca. “Preparem-se porque é uma lasanha diferente”, avisei. Todos se serviram. Flavio deu suas primeiras mastigadas analisando. “A consistência dela... É realmente diferente.” Revelei logo o segredo: “É pão árabe.”

Dupla superpoderosa

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Sábado pela manhã na piscina do Grajaú Country Clube. Um senhor chamado Atílio nos observava, eu e minha irmã Sonia Cristina dando nossas braçadas. Foi direto conversar com nosso pai. “Seus filhos nadam como peixes. Não gostariam de participar de uma competição?” Seu Atílio ficara responsável por recrutar a meninada para uma competição entre o Grajaú e o Vila Isabel. “Quando será?”, perguntou meu pai. “Amanhã pela manhã lá na piscina do Vila.” “Não dá. Amanhã tenho compromisso importante.” Na verdade, eu e minha irmã não deveríamos competir por nenhuma outra agremiação porque eramos atletas da Federação Brasileira de Natação e competíamos pelo Tijuca Tênis com rotina bem puxada. Saímos de casa bem cedo para praticarmos exercícios aeróbicos. Depois voltávamos perto das onze para as tarefas escolares, banho e almoço (dieta rigorosa, vitaminas, suplementos...). Colégio de tarde. Por volta das cinco e meia, piscina. Fizesse bom tempo ou caísse temporal, deveríamos v

Cantando para o Brasil

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Era sexta-feira, dia 06 de outubro de 2000, mais uma noite de cantoria no Clube Militar da Lagoa. Uma chuva forte caía sobre o Rio de Janeiro. Eu no interior do ônibus 409 paralisado por um engarrafamento gigantesco na Rua Jardim Botânico. No assento do lado oposto, um sujeito magro de óculos me observava, analisava meu visual, eu todo arrumado, de chapéu panamá na cabeça e um cavanhaque acidental por uma barba mal feita que me dava certo ar cafajeste. Ele não resistiu a pergunta: “Você é nordestino, não é?” Achei engraçado aquilo. “Não. Sou daqui mesmo.” “Ah é? É que sou fotógrafo e observo as pessoas. Eu achei...” “Sou carioca da gema”, reforcei. “Mas é cantor, não é?” “Sim. Estou indo agora cantar.” “Cantor de forró, acertei? Acho que já vi você e seu conjunto na televisão.” Não segurei o riso. “Olha... Eu até canto forró, mas não é minha especialidade.” Ele se desculpou do engano, mas continuou a me observar, talvez, não convencido das minhas respostas.

Um dia

A vida para mim é como um dia apenas, um dia de muitas horas que se vão passando. Com este pensamento, afasto a lamentação, a saudade antiga do que foi e agora já não é, do que esteve e não está mais. Tampouco alimento grandes expectativas futuras. Passado e futuro não existem. Muito bom imaginar que ainda a pouco brinquei carnaval do Cordão do Boitatá, mas também participei da matinê no Tijuca Tênis Clube, um bailinho só para crianças. Ainda a pouco, bebi com amigos num bar da Zona Sul, mas, ainda a pouco, pedalei com eles por estradinhas de terra do Jardim Paraíso, numa aventura inesquecível onde bebemos água suja e uma cobra enorme cruzou nosso caminho. Ainda a pouco, comprei um bolo de banana com coco na lojinha aqui do lado, mas também, agorinha mesmo, minha avó retirou do forno mais uma de suas maravilhas: bolo de laranja coberto de açúcar, tudo cortado em cubinhos. Ainda a pouco operei amídalas, fimose e estrabismo. Também retirei um litro e meio de água do pulmão dire

Memória olfativa

Desde ontem estou obrigado a tomar o antibiótico Cefalexina, medicamento este que ministrei por quase treze anos em minha cockerzinha Milla, toda a vez que lhe estouravam alergias. Ela se saracoteava toda, rebolava de alegria com o evento. Adorava tomar remédios. O cheiro da cápsula me faz lembrar Milla. Outros aromas me remetem a momentos do passado. Exemplos: LEITE DE COLÔNIA – as pesquisas de trabalho de grupo da faculdade. Visitamos a pequena fábrica do produto ali no Largo da Segunda-feira (Tijuca). O dono era um senhor encantador; VITESS – outro dia senti um cheiro parecido com o do perfume que usei muito na adolescência. Também o GELLATI para minhas saídas, os passeios de carro com amigos, as idas aos shows no Morro da Urca ou o barzinho no Enchanted Valley em busca da batida de vinho. Nem sei se esses perfumes ainda existem; UÍSQUE – Adolescente, ganhei num bingo uma garrafa de OLD PARR. Apesar de não ser um adepto da bebida, aquele troféu enfeitou minha estante de

Cadê a Luzinete?

Liguei a TV e, num programa da manhã, um deficiente visual falava da alegria de brincar nos blocos de rua. Lembrei logo de Luzinete. Sobre ela, contarei daqui a pouco. A reportagem na TV era sobre superação. Numa roda de debate, vários davam seu depoimento. Havia um ator, um técnico de futebol, um ex-modelo e atual atleta, pessoas que encararam com coragem um revés da vida. E vem a pergunta irritante da entrevistadora: “Mas como se dá isso? De onde vem toda essa força?” Cada um respondeu ao seu modo, dizendo que todos nós somos capacitados de um poder que nos leva a ultrapassar obstáculos, transformar nossa existência, apesar da ignorância, do preconceito, da falta de oportunidade e de um mínimo de estrutura das cidades para esse seguimento da população.   Na hora me veio a cena que acompanhei num desses blocos carnavalescos: um folião cadeirante metido no meio do povo, feliz da vida, mas encarando uma série de obstáculos. Aqui no meu bairro, vejo com frequência uma senhora p