Postagens

Mostrando postagens de 2013

O final da história

Num tempo longínquo, eu me recordo de uma noite no Instituto Guanabara na Tijuca. Auditório lotado para mais uma sessão. O filme: “Doramundo” (João Batista de Andrade) com Rolando Boldrin, Irene Ravache, Antonio Fagundes, Rodrigo Santiago, Armando Bogus, Denise Del Vecchio, Olnei Cazarré... A trama se passa em 1939, numa localidade serrana paulista chamada Cordilheira, lugar de reparos de trens. Seus habitantes, gente simples, vivendo em modestas casinhas de madeira, todos muito amigos como uma grande família. Porém, uma série de assassinatos vai acontecendo, sempre em noites de grossa serração e sempre do mesmo jeito: golpes na cabeça por uma barra de ferro ou chave de rosca e, em seguida, um vagão se soltando e esmigalhando o corpo. As vítimas com as mesmas características: funcionários da rede ferroviária vindos da capital, rapazes, solteiros, todos instalados num alojamento. A companhia, temendo uma repercussão jornalística, chama o chefe de polícia Dr. Guizot (Armando Bogus) pa

O salame salvador

Verão na Bahia, sol a pino numa manhã em Porto Seguro. Eu com um grupo de conhecidos indo de ônibus até Santa Cruz de Cabrália. Chegando lá, uma multidão de gente, fila de espera para o passeio de barco pelos abrolhos. E nós ficamos naquele vai não vai. Acabamos desistindo. Saímos dali, retornamos até a metade do caminho, e saltamos num trecho de praia mais tranquilo, longe de muvuca. Como não gosto de ficar lagarteando, propus caminhada a uma amiga chamada Claudia e nos desgarramos do grupo. Seguimos apreciando a linda paisagem de coqueiros, parando, de quando em vez, para fuçarmos artesanatos vendidos por passantes ou em barraquinhas. Num barco recém-chegado, peixes enormes embolados na rede. Até que nos demos conta da nossa distração. Tínhamos nos distanciado muito e as horas iam velozes. Voltamos apressados para nosso ponto de encontro e já não havia mais ninguém. O grupo partira. E o pior: nossas coisas, dinheiro, documentos, tinham ido também. Tudo ficara guardado na bolsa de um

O fusquinha do capeta

Foi uma noitada inesquecível. Eu com três amigas, espremidos num fusquinha marrom velho, todo carcomido pela ferrugem. O motorista, um conhecido delas, cabeludo com cara de doidão, virava insistentemente a chave, mas o carro não dava sinais de querer pegar. Até que, finalmente, ele despertou. E saímos sacudindo, ziguezagueando pela estrada, nos levando a uma festa num condomínio fora da cidade de Viçosa. A balada acontecia numa casa enorme e se estendia para mais duas vizinhas. Luzes coloridas, som alto comandado por um DJ, muita gente, muita doideira. Bebi todas e dancei muito, já no clima da mineirada. Horas depois, eu me dei conta do sumiço das minhas amigas. Sai à procura até encontrá-las em pontos separados completamente distanciadas da luz, bêbadas, em estado total de desgraça. A festa acabara para elas. Achei por bem levá-las, uma a uma para dentro do fusquinha. Próximo passo seria encontrar o seu motorista, o cabeludão. Procurei por toda a parte, me enfiei em cantos esquisitos

A cadela Bolinha

Quando meu avô paterno faleceu, meus pais se mudaram temporariamente para o sobrado da Tijuca para fazerem companhia para minha avó. Foram longos dias de luto, uma tristeza profunda, uma dor amargada também por Bolinha, a cadela vira-latas xodó da casa. Segundo aqueles que entendem do assunto, os cães escolhem seus donos e lhes dedicam seu amor incondicional. Bolinha escolhera meu avô. Amorosa, obediente, atendia a todos os comandos dele e jamais atravessava o portão que dava para a rua. Ficava quietinha aguardando sua chegada. Desse jeito ela ficou naqueles dias, paradinha esperando seu dono que não voltava. Certa noite, algo estranho aconteceu. Bolinha saiu do seu estado de prostração e começou a se agitar pela casa. Era madrugada. Ela ia de lá para cá, de cá para lá gemendo, esbarrando nas cadeiras da sala, batendo com o rabo na parede. Aquilo despertou minha mãe. Ela abriu os olhos e teve a surpresa. Diante dela, bem próximo, a figura do meu avô a olhá-la sorrindo. Ela

Meus avozinhos imaginários Cyro e Vinícius

Eu deveria falar sobre minha relação com Braguinha, pelos nossos laços familiares, ou citar a pouca ou nenhuma proximidade com meu avô materno (o outro já havia falecido quando eu nasci), mas a ausência daquelas figuras mais velhas me fizeram colocar no pedestal do meu imaginário outros que, apesar do nenhum contato físico, viraram os vovozinhos que eu não tive.  Um deles foi Cyro Monteiro, que descobri na casa da minha avó através do disco Bossaudade dele com a Elizeth Cardoso. Eu, muito criança, me divertia com as brincadeiras dos dois cantando em pot-pourri, ela chamando-o de Formigão, os dois fazendo troça da estatura do Caçulinha, líder de um brilhante regional. Na casa da minha avó se ouvia muito Angela Maria, Dalva de Oliveira e Roberto Carlos, mas eu só queria saber da voz vibrante da Divina e do jeito maroto do Cyro, famoso por cantar batendo na caixinha de fósforo. Anos depois, esse disco veio morar comigo e foi uma alegria descobrir que havia um segundo volume gravado com m

Fotos de shows

Imagem

A besta-fera

Meu amigo Luciano estava radiante com a novidade: seu pai mandara construir uma piscina no quintal e eu fui até lá para conhecer. Era uma ensolarada manhã de sábado e somente eu e ele ficamos um bom tempo naquela boa vida, entre um mergulho e outro, com Argos, um dog alemão enorme e boboca, a nos rodear, ávido por uma brincadeira. Jogávamos amêndoas e ele disparava feliz. Logo, vinha latindo querendo mais. Na varanda, indiferente ao que fazíamos, a tia do Luciano fazia gestos estranhos, ia de um lado para outro falando sozinha, paralisava, olhava para o além e gritava: - Parem! Tia Diva se dizia atriz de teatro e exercitava, naquele momento, sua capacidade de improvisação. Figura bastante curiosa, engraçadíssima, colecionadora de caretas, os cabelos arroxeados, esquelética, feia toda a vida, branca igual cera. Em certos momentos, sumia para dentro da casa e voltava com uma de suas muitas perucas coloridas na cabeça, colares no pescoço e plumas. E ficava de lá para cá falando sozi

Meu dia de índio

Certa vez, um conhecido meu, Seu Vianna, um senhor já muito idoso, me abordou na rua e me fez a seguinte pergunta: - Você gosta de artesanato? - Gosto sim. Por que? - Vamos até minha casa. Quero te dar uma coisa. Fez mistério. Nada mais disse. Chegando lá, ele foi buscar o regalo: uma máscara-escudo talhada em madeira, olhos, boca, cabeleira de palha, um chifre na testa e uma etiqueta atrás na alça, identificando que aquilo era da tribo dos índios caraívas. - Peça de colecionador, viu? – reforçou Seu Vianna – Mas não a quero mais. Fique pra você. Cuide bem dela. Agradeci bem constrangido, porque a máscara era um troço tão esquisito, era tão feia, tão horrorosa que, mal cheguei em casa, a enfiei dentro do armário. E ali ela ficou por anos, décadas, séculos. Quando me mudei para o apartamento de Botafogo, na ânsia de decorá-lo, de colocar ornamentos na parede, resolvi dar utilidade àquela máscara e a instalei bem diante da porta social, como uma carranca que protege su

Aniversários

Uma astróloga me disse que as crises de idade acontecem sempre às vésperas de completarmos números redondos. Começa com a crise dos 29. Depois vem a dos 39, 49 e por aí vai. Achava engraçado isso, não dava bola para tal bobagem. Talvez tivesse desenvolvido uma defesa por conta das brigas com meu pai que, durante minha infância e adolescência, sempre fazia questão de me avisar que, em breve, eu completaria 18 anos e serviria o exército, em breve, eu teria os 21 da maioridade e seria um homem feito, em breve eu estaria com 30, 40, 50, coberto de responsabilidades, pai de família, filhos, úlcera, enfarto, cabelos brancos, barriga... Ganhei uma mala dessas do James Bond para o futuro que me aguardava, afinal, era preciso me modificar. Caso não mudasse meu comportamento, meu jeito de vestir, meu cabelo, não seria nada na vida. O tempo foi passando e eu seguindo nesse meu jeito torto, moleque, meio inconsequente. No meu círculo de amizade, não havia um que escapasse com louvor do crivo dos

Quem casa quer...

Tive uma breve carreira bancária. Trabalhei como escriturário na agência do Itaú da Praça Saens Pena por um período de um ano e pouco num setor chamado “Especiais”, onde cuidávamos de ordens de pagamentos, imposto de renda, FGTS, rescisões de trabalho, cartões de crédito, etc. Naquela época, o Brasil vivia uma recessão terrível e o quadro de funcionários era bem diversificado, indo do mais humilde até o pós-graduado, ambos em funções iguais. Porém, com toda a dificuldade econômica, pairava por lá uma vontade quase unanime: casar. Uma das exceções era Inácio, um gay assumido que vivia dizendo gracinhas pra mim, se insinuando, fazendo propostas indecentes. Fora isso, os caras e a mulherada do banco... A turma querendo casamento. E naquela minha curta passagem por lá, aconteceram alguns enlaces. Havia a Rosangela, que não falava de outra coisa, se gabando do vestido que ia usar, da ornamentação de primeira, do bolo monumental, dos gastos astronômicos da festa, do organista e coral que

A destruição causada por um coco

Sexta-feira, 12 de outubro de 1990. Eu indo com meu irmão Italo, Mauricio e a irmã dele Aurora para mais um final de semana na nossa casa de praia num condomínio em São Pedro d’Aldeia. Viajamos no Herbie, o fusquinha azul possante do Mauricio. Jamais poderia imaginar a tremenda encrenca em que nos meteríamos. A noite foi normal, tranquila. Deixamos as bagagens na casa para nos fartarmos com as pizzas do restaurante Vovó Chica em Araruama. Na volta, nos enchemos de chá para digerir aquela comilança antes do sono. Eu já havia encarado, dias antes, um churrasco com piscina pelo aniversário do meu pai.  Nossa casa no condomínio Moinhos d’Aldeia, além dos bons ambientes (sala, cozinha, três quartos e varandão), ganhara um anexo com suíte, sauna, garagem coberta e churrasqueira. Mas havia uma novidade que eu só conferi com o amanhecer do dia: descansando sobre um cavalete, uma lancha tinindo de nova, branca, estofamentos confortáveis e branquinhos, um painel bonito com volante e um gr