A cadela Bolinha
Quando meu avô paterno faleceu, meus pais se mudaram
temporariamente para o sobrado da Tijuca para fazerem companhia para minha avó.
Foram longos dias de luto, uma tristeza profunda, uma
dor amargada também por Bolinha, a cadela vira-latas xodó da casa.
Segundo aqueles que entendem do assunto, os cães
escolhem seus donos e lhes dedicam seu amor incondicional. Bolinha escolhera meu
avô.
Amorosa, obediente, atendia a todos os comandos dele e
jamais atravessava o portão que dava para a rua. Ficava quietinha aguardando
sua chegada.
Desse jeito ela ficou naqueles dias, paradinha esperando
seu dono que não voltava.
Certa noite, algo estranho aconteceu. Bolinha saiu do
seu estado de prostração e começou a se agitar pela casa. Era madrugada. Ela ia
de lá para cá, de cá para lá gemendo, esbarrando nas cadeiras da sala, batendo
com o rabo na parede. Aquilo despertou minha mãe. Ela abriu os olhos e teve a
surpresa.
Diante dela, bem próximo, a figura do meu avô a
olhá-la sorrindo. Ela quis gritar, mas não conseguiu. Um nó na garganta.
Ele fez um gesto com o indicador pedindo silêncio e
disse apenas:
“Sou eu, minha filha. Só vim buscar a Bolinha.”
E desapareceu.
Minha mãe teve um ataque de choro. Meu pai e minha avó
acordaram e lhe deram água com açúcar para acalmá-la daquele pesadelo. Ninguém
mais conseguiu dormir e estranharam o comportamento da cadela.
O dia amanheceu. Meu pai se vestiu para o trabalho. Tomou
seu café.
Já no portão, beijou minha mãe e, quando já ia atravessando,
Bolinha, numa atitude jamais imaginada, disparou, cruzou por entre as pernas
dele e se atirou na frente de um carro que passava. Morte instantânea.
E assim, ela foi embora com meu avô.
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