O fusquinha do capeta
Foi uma noitada inesquecível.
Eu com três amigas, espremidos num fusquinha marrom velho, todo carcomido pela
ferrugem. O motorista, um conhecido delas, cabeludo com cara de doidão, virava
insistentemente a chave, mas o carro não dava sinais de querer pegar. Até que,
finalmente, ele despertou. E saímos sacudindo, ziguezagueando pela estrada, nos
levando a uma festa num condomínio fora da cidade de Viçosa. A balada acontecia
numa casa enorme e se estendia para mais duas vizinhas. Luzes coloridas, som
alto comandado por um DJ, muita gente, muita doideira. Bebi todas e dancei
muito, já no clima da mineirada. Horas depois, eu me dei conta do sumiço das
minhas amigas. Sai à procura até encontrá-las em pontos separados completamente
distanciadas da luz, bêbadas, em estado total de desgraça. A festa acabara para
elas. Achei por bem levá-las, uma a uma para dentro do fusquinha. Próximo passo
seria encontrar o seu motorista, o cabeludão. Procurei por toda a parte, me
enfiei em cantos esquisitos onde aconteciam coisas inimagináveis, levei mãozada
no escuro. Nada do sujeito. O cara desaparecera. Desintegrara-se. Aí, sem
qualquer explicação, meti a mão no bolso da calça e senti um molho de chaves. Eram
de automóvel. Apesar da tontura, reconheci o símbolo da Volkswagen. Só podiam
ser do fusquinha. Mas, como é que foram parar no meu bolso? Entrei no carro e experimentei,
virei a chave na ignição e ele pegou de primeira. Um milagre. Arranquei com as
três vomitando muito, colocando os bofes e até a alma para fora. Logo entendi a
razão do fusca ziguezaguear tanto: folga na direção. Entramos pela via
principal, eu morrendo de medo por estar pilotando aquela porcaria, estado
total de miséria. Além do descontrole do volante, o freio era quase inexistente,
nenhum amortecedor, a maçaneta da porta e a manivela do vidro saindo na mão da
gente, farol esquerdo queimado, o quebra-luz caindo na minha cara o tempo todo.
Nem quis imaginar o estado dos pneus.
Logo vieram as lombadas. Cada uma
que passávamos, o carro ameaçava se desmontar. Tudo rangia.
E as três golfando, imundiçando
tudo, até as minhas costas. De repente, uma estranha fumaça foi subindo pelo
painel, cheiro de queimado se misturando com o de vomito. Rezei muito para
alcançarmos a cidade e o endereço delas. Assim que entramos na rua, o fusquinha
começou a pegar fogo. Saltei no desespero arrancando as três com a geringonça
ainda em movimento. Por pouco não desceu uma ribanceira rente a uma ponte. O
meio fio impediu.
– E agora? O fusca está pegando
fogo! Cadê o extintor?
Procurei. Não havia. Não havia
extintor.
Enchi um balde com água e
apaguei o incêndio. Um sufoco. Escapamos.
- Vamos dormir. Amanhã a gente
vê o que faz.
No dia seguinte, ressaca
gritando, fomos conferir na rua a tal situação. Para nossa surpresa, o veículo
dos infernos já não estava mais lá.
Sumiu, assim como sumira o seu
dono.
Ficamos sem entender, mas
respiramos aliviados. E querendo muito esquecer aquela noite.
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