Postagens

Mostrando postagens de 2011

Com as bençãos de Charles Chaplin e Baden Powell

Imagem
Sou um cara de sorte, porque tenho amigos queridos. Quero falar especialmente do casal Jô e Robertinho. Eu os conheci durante um show dos ótimos Marcos Sacramento e Clara Sandroni no Paço Imperial, onde Jô, minutos antes da música começar, mostrava para uma amiga um pedaço de papel com um texto. Trocamos olhares, sorrimos um para o outro e bateu vontade enorme de falar com eles. Cumprimentei os dois e ela, mais que depressa, me entregou a tal folha de papel e disse: "Fica pra você. É um texto lindo do Charles Chaplin". Estava escrito: "Hoje levantei cedo pensando no que tenho a fazer, antes que o relógio marque meia noite. É minha função escolher que tipo de dia vou ter hoje. Posso reclamar porque está chovendo ou agradecer às águas por lavarem a poluição. Posso ficar triste por não ter dinheiro ou me sentir encorajado para administrar minhas finanças, evitando o desperdício. Posso reclamar sobre a minha saúde ou dar graças por estar vivo. Posso me que

Uma historinha de Milla

Imagem
Tempos atrás, precisei me ausentar por uma semana do Rio. Uma viagem a São Paulo. Prontamente, uma conhecida, que chamarei aqui de W, se ofereceu para cuidar da minha cachorrinha durante a minha ausência. Milla ficaria hospedada no seu apartamento, um quarto e sala na Rua do Riachuelo. Aceitei o generoso oferecimento e a levei para lá. Deu dó ver seus olhinhos tristes por ser deixada naquele ambiente desconhecido. Orientei W em relação aos horários do remédio, do cocô, da comida, a quantidade de ração. Milla ainda tentou sua estratégia de pular nas duas patas, pedir colo, pedir atenção para que eu não a abandonasse daquela maneira. De nada adiantou. Eu fui. Mas quando retornei, liguei de imediato para W. Estava morrendo de saudades da minha cockerzinha preta. - A Milla está ótima, muito bem adaptada – disse ela, para me tranquilizar - Dorme na cama comigo todos os dias. - Deu muito trabalho, não deu? - Nada. Milla é um anjinho. E está um grude comigo. - Que

Uma amizade sincera (Clarice Lispector)

Imagem
Não é que fôssemos amigos de longa data. Conhecemo-nos apenas no último ano da escola. Desde esse momento estávamos juntos a qualquer hora. Há tanto tempo precisávamos de um amigo que nada havia que não confiássemos um ao outro. Chegamos a um ponto de amizade que não podíamos mais guardar um pensamento: um telefonava logo ao outro, marcando encontro imediato. Depois da conversa, sentíamo-nos tão contentes como se nos tivéssemos presenteado a nós mesmos. Esse estado de comunicação contínua chegou a tal exaltação que, no dia em que nada tínhamos a nos confiar, procurávamos com alguma aflição um assunto. Só que o assunto havia de ser grave, pois em qualquer um não caberia a veemência de uma sinceridade pela primeira vez experimentada. Já nesse tempo apareceram os primeiros sinais de perturbação entre nós. Às vezes um telefonava, encontrávamo-nos, e nada tínhamos a nos dizer. Éramos muito jovens e não sabíamos ficar calados. De início, quando começou a faltar assunto, tentamos comenta

O voo (Menocci del Pichia)

Imagem
Goza a euforia do voo do anjo perdido em ti. Não indagues se nossas estradas, tempo e vento, desabam no abismo. Que sabes tu do fim? Se temes que teu mistério seja uma noite, enche-o de estrelas. Conserva a ilusão de que teu voo te leva sempre para o mais alto. No deslumbramento da ascensão, se pressentires que amanhã estarás mudo, esgota, como um pássaro, as canções que tens na garganta. Canta. Canta para conservar a ilusão de festa e de vitória. Talvez as canções adormeçam as feras que esperam devorar o pássaro. Desde que nasceste não és mais que um voo no tempo. Rumo do céu? Que importa a rota. Voa e canta enquanto resistirem as asas. (Menocci del Pichia)

Gentileza gera...

          A chuva dera uma trégua naquele início de noite de sábado. Muita água ainda descia do morro, quando vi passar ao longe Seu Tibúrcio, prestes a encarar uma ladeira bastante enlameada. O magro octogenário todo arrumadinho no seu terno cinza seguia para casa. Preocupado, imediatamente, montei na minha moto cinquenta cilindradas e emparelhei com ele se equilibrando na derradeira pedra de meio fio, sem saber como prosseguir. Naquele trecho da rua o paralelepípedo já não mais existia. Só lama, muita lama. "Sobe aqui, Seu Tibúrcio. Sobe que eu levo o senhor até lá em cima." O elegante ancião olhou para a máquina rosnando, surpreso com o insano convite. "Sou um senhor de idade. Não tem como eu andar num troço desses." "Se o senhor se segurar firme, a gente consegue. Prometo ir bem devagar.” “Você garante que não vou cair?” “Caso sinta que está escorregando, avise que eu paro." "Mas eu estou de terno... É um terno novo..." El

Milla e Milu

Imagem
U ma tênue luminosidade vai entrando pelas frestas que dão acesso ao quarto. Quero dormir um pouco mais, mas sei que será impossível. Desde criança levanto cedo, mas, de uns anos para cá, se quisesse alterar esse hábito, seria impossível por dois motivos. O primeiro deles se chama Milla. Sei que está a me observar da sua cama, instalada na quina da parede em frente. Tento enganá-la, me fingindo de adormecido. Ela desconfia. Sai de onde está para se aproximar da minha cabeceira, atenta a qualquer movimento meu. Em menos de um minuto, já está sobre a cama e, quase por cima de mim, gruda seu focinho no meu rosto. Prevendo que levarei uma lambida na boca, sou obrigado a desviar. Ela se anima e eu me rendo. E a beijo e a abraço. Em seguida, ela se ajeita ao meu lado e vira a barriguinha pra cima pedindo meus carinhos. Corro os dedos de cima para baixo. Ela fecha os olhos, ajeita seu corpo peludo bem grudado ao meu, pousa sua cabeça no meu braço para tirar um último soninho. A ideia de

Quem é Ary?

Eu quietinho aqui no computador, mas um som lá fora, uma festa onde o povo está cantando de tudo e muito: funk, sambas-enredo, pagodão... E de repente, a galera começa um "esse coqueiro que dá coco..." Eu me lembrei de um episódio que vivi em 2005, acho. Envolvido que estava na leitura do livro do jornalista Sergio Cabral sobre a biografia de Ary Barroso. Fui até a Rua André Cavalcanti no Centro para conhecer o endereço onde o compositor de "Aquarela do Brasil" chegou a viver por um tempo. A casa virara um hotel barato. Entrei e encontrei logo um senhor português, que era o proprietário. Contei-lhe sobre a relação daquela casa com o artista. Ele mostrou total desconhecimento. Virou-se para a mocinha da recepção, já adiantando que ela é quem sabia das coisas, e lhe perguntou: "Tu sabes afinal quem é esse Ary Barroso?" E ela, prontamente, respondeu um pouco indecisa: "É o cantor daquele grupo de pagode, que eu esqueci o nome. Não é moço?