Aniversários
Uma astróloga me disse que as crises de idade
acontecem sempre às vésperas de completarmos números redondos. Começa com a
crise dos 29. Depois vem a dos 39, 49 e por aí vai. Achava engraçado isso, não
dava bola para tal bobagem. Talvez tivesse desenvolvido uma defesa por conta das
brigas com meu pai que, durante minha infância e adolescência, sempre fazia
questão de me avisar que, em breve, eu completaria 18 anos e serviria o
exército, em breve, eu teria os 21 da maioridade e seria um homem feito, em
breve eu estaria com 30, 40, 50, coberto de responsabilidades, pai de família,
filhos, úlcera, enfarto, cabelos brancos, barriga... Ganhei uma mala dessas do
James Bond para o futuro que me aguardava, afinal, era preciso me modificar. Caso
não mudasse meu comportamento, meu jeito de vestir, meu cabelo, não seria nada
na vida. O tempo foi passando e eu seguindo nesse meu jeito torto, moleque,
meio inconsequente. No meu círculo de amizade, não havia um que escapasse com
louvor do crivo dos meus pais, uma longa lista de desaprovados, uns por serem
mais novos ou mais velhos que eu, ou por terem cara de pirados e nem eram
(alguns até que eram mesmo), homens de brinco, garotas tatuadas, gente gorda ou
magra demais e descabelada, gente negra ou muito branca, gays ou não, artistas
ou não, muitos fora dos padrões de estética. As amizades que eles desejavam
para mim, filhos de amigos da minha idade, não me interessavam. Mais maduros, situados
na vida, com futuro, fumavam, bebiam, transavam, namoravam, dirigiam, saíam sem
hora para voltar, falavam de futebol, mulher, carro, viagens, dinheiro,
ambicionavam cargos.
Nada contra.
Eu é que andei sempre fora de sintonia, fantasioso, a
cara nos livros, desenhando, escrevendo, pensando demais, sonhando com um mundo
irreal. Infantil toda a vida.
Quando dei por mim, havia ultrapassado o ano 2001 e eu
ainda me sentindo o mesmo, com os mesmos sonhos de artista, fadado a não ser
nada na vida mesmo. Relaxei. A mala 007 continuava com pouca serventia, o mundo
não se acabara e a odisseia da minha vida continuando. Até agora não enfartei,
não tenho úlcera, nem as responsabilidades de uma família cheia de filhos, mas
minha longa cabeleira desapareceu. Uma barriguinha insiste, mas isso é bobagem.
Todos têm barriga hoje em dia. É charme e símbolo de prosperidade.
Segui curtindo um a um os meus aniversários. Adoro
comemorar. Ganhei presentes maravilhosos, outros esquisitos, constrangedores,
mas isso, contarei em outra ocasião. Fiz festas em barzinhos e boates. Em casa,
organizei almoços, feijoadas (uma estória a parte a feitura da minha primeira feijoada).
Em Grumari, uma farofada com direito a rádio grande e
geladeira de isopor com cervejas.
Lembro-me de um jantar no apartamento de Santa Teresa,
eu brindando com alguns amigos. Através do janelão da sala, o bonde parou
lotado e o povo viu aquilo. Foi um aplauso geral. Rimos muito. Em outra comemoração,
o apartamento tomado por aproximadamente umas noventa pessoas, músicos tocando,
além do bonde com os curiosos, um velhinho, que morava no prédio ao lado, passou
e parou para ouvir nossa roda de choro. Maravilhado, pediu para entrar. Foi rapidinho
em casa e voltou com uma garrafa de vinho, a esposa e um violino. E se juntou ao
grupo de músicos. Acompanhou tudo com seu instrumento. Era da Orquestra Sinfônica.
Logo depois, Fabio “Bananada” Barreto, figura querida, típico malandro da Lapa,
apareceu e também quis entrar. Sacou de um lápis, enfiou-o na boca e, batucando
nele, executou “Tico-tico no Fubá” do Zequinha de Abreu. Foi uma noite incrível.
Aconteceram algumas festas-surpresa. Festa-surpresa a
gente sempre descobre antes, não é? Foi assim com a turma da dança do Centro
Jayme Arôxa e com outros amigos também. Ganhei de surpresa banquetes, ganhei um
barco cheinho de comida japonesa, ganhei travessas com bacalhoada. Teve um ano
em que minha amiga Luiza Dorotéia preparou um bobó de camarão, mas exagerou na
quantidade, tanto que fiquei uma semana distribuindo e comendo bobó. Noutro
ano, um casal que trabalhou comigo no banco me presenteou com muitos salgados e
doces de uma loja da Cobal do Humaitá.
Muito bom se sentir amado. Muita gente querida, amizades
que venho mantendo por décadas. Não darei lista de nomes para não cometer a injustiça
de esquecer alguém.
Para encerrar esse meu relato, contarei a inesquecível
festa organizada por minha mãe e minha irmã no apartamento da Rua Itacuruçá,
numa época em que eu não gostava de revelar minha idade. Eu me lembro da sala
cheia de gente, falatório, música tocando. Aí, veio o momento do bolo. Elas
puxaram uma contagem progressiva:
“1! 2! 3! 4! 5...”
Não entendi.
“6! 7! 8! 9...”
Imaginei que, quando chegassem no “10”, explodiriam os
parabéns. Mas não foi isso o que aconteceu. E seguiram:
“10! 11! 12! 13...”
Só então percebi o que aconteceria.
“21! 22! 23...”
E me preparei para, enfim, encarar aquela que poderia
ser minha primeira crise de idade. Todos em coro:
“29! 29! 29!”
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