Quem casa quer...

Tive uma breve carreira bancária. Trabalhei como escriturário na agência do Itaú da Praça Saens Pena por um período de um ano e pouco num setor chamado “Especiais”, onde cuidávamos de ordens de pagamentos, imposto de renda, FGTS, rescisões de trabalho, cartões de crédito, etc. Naquela época, o Brasil vivia uma recessão terrível e o quadro de funcionários era bem diversificado, indo do mais humilde até o pós-graduado, ambos em funções iguais. Porém, com toda a dificuldade econômica, pairava por lá uma vontade quase unanime: casar.
Uma das exceções era Inácio, um gay assumido que vivia dizendo gracinhas pra mim, se insinuando, fazendo propostas indecentes. Fora isso, os caras e a mulherada do banco... A turma querendo casamento. E naquela minha curta passagem por lá, aconteceram alguns enlaces. Havia a Rosangela, que não falava de outra coisa, se gabando do vestido que ia usar, da ornamentação de primeira, do bolo monumental, dos gastos astronômicos da festa, do organista e coral que ensaiavam exaustivamente, garantia de um inesquecível grande evento. Havia também a Cuca. Não lembro o nome dela, mas era um encanto de moça, gordinha, linda, parecia uma boneca. Muito querida por todos. Marcou casamento para um final de semana de julho em... Ribeirão Preto. Queria agradar a família que residia naquela cidade. Eu fui e assisti pasmo ao incidente inesperado. A igreja era toda aberta, em arcos. Durante a cerimônia, os padrinhos posicionados no altar, as madrinhas começaram a se mexer, a se bater, a se coçar. Algo as pinicava. Enfim, a constatação: uma nuvem de vespas invadia aos poucos o recinto. E, de repente, aquela gente toda saiu pra fora correndo e se batendo.
Já o tão falado e aguardado casamento da Rosangela aconteceu na Igreja Sagrados Corações, aquele que fica de frente ao Tijuca Tênis Clube. Estava lotada. Veio o som do órgão, o coral entoou a música de entrada da noiva, e ela foi entrando, atravessando toda vaidosa com seu vestidão, a cauda indo longe. Mal ela chegou ao altar e deu a mão ao noivo, um som diferente lá atrás se ouviu, um conjunto de vozes. Não era o coral. Era um “Aaaaaaaaaahhhhhh!” E novamente outro “Aaaaaaaaaaaaaahhhhh!” Aquilo se repetindo e aumentando de volume. Olhei para trás. Era uma “ola”, aquele movimento conhecido das torcidas nos estádios, que ia se aproximando, contagiando todos, vindo na direção dos bancos da frente e do altar. Logo entendi a razão daquele fenômeno. Eram morcegos que davam voos rasantes em cima do povo. Os noivos acabaram se virando também para ver. E um morceguinho veio reto na direção deles. Rosangela gritou o mais que pode. Passou mal, foi levada para a sacristia. Ficou um tempo por lá até se acalmar. O padre resolveu economizar no falatório. Voltaram depressa para o altar, trocaram alianças e saíram correndo para a rua. Realmente, um evento inesquecível.
Depois que sai do banco, assisti a muitos casamentos interessantes. Teve um que foi na umbanda. Outro, só na base da festa, de dois rapazes. Os dois bonequinhos do bolo eram idênticos a eles. Vi o casamento da amiga Cenira na capela do Palácio Guanabara. Ela e o noivo chegaram juntos de carro, dando até um cavalo de pau com ele. Saltaram e adentraram a igreja correndo. Bem animado. O padre parecia apresentador de programa de auditório. Pedia palmas pro casal, dizia coisas engraçadas. Naquela mesma capela, vi um casamento oposto deste. Bem silencioso. Era de surdos-mudos. Também fui padrinho de alguns e até aluguei fraque por vinte e quatro horas na “Só a rigor”. Usei aquilo o mais que pude. Afinal, estava pagando. Recentemente, apadrinhei dois amigos na enfermaria de um hospital, onde o noivo estava internado.
No casamento pomposo de uma conhecida, que não citarei o nome, ocorrido na Igreja do Carmo no Centro, no momento em que ela saía com seu novo marido, um bêbado mendigo entrou e se jogou aos pés dela, imundiçando seu vestido e gritando:
“Minha sobrinha! Minha sobrinha!”
Uma cena lamentável.
Lamentável foi encontrar aquele meu antigo colega de banco Inácio enchendo a cara num barzinho aqui da Tijuca. Eu tinha ido lá para comemorar o aniversário de um amigo e o Inácio estava num canto, com aparência péssima, virando o pote. Fui falar com ele. Pediu que eu me sentasse. Disse que se sentia só, que vivia conflitos, não se assumia como gay e queria que eu ficasse ali para lhe fazer companhia, para ouvir seu desabafo. Expliquei que não poderia naquele momento e até o convidei a se juntar ao grupo, mas ele recusou. Pagou a conta e saiu costurando, praguejando sabe-se lá o que.
Meses depois, minha amiga Laura me convidou para cantar no seu casamento, que aconteceria na Santa Margarida Maria na Lagoa, cuja lenda de ser ali um lugar amaldiçoado, igreja que dava azar, dos casamentos que não vingavam, ouvi diversas vezes. Uma bobagem isso. Os casamentos hoje em dia já não duram mesmo. Aceitei o convite. Ela me passou as músicas. Fui.
E, ao chegar à igreja, constatei assombrado. Quem era o noivo? Inácio.
Fiz minha parte. Cantei bonito.
Quanto ao casamento deles, estão juntos até hoje e com uma trinca de filhos.

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