O salame salvador

Verão na Bahia, sol a pino numa manhã em Porto Seguro. Eu com um grupo de conhecidos indo de ônibus até Santa Cruz de Cabrália. Chegando lá, uma multidão de gente, fila de espera para o passeio de barco pelos abrolhos. E nós ficamos naquele vai não vai. Acabamos desistindo. Saímos dali, retornamos até a metade do caminho, e saltamos num trecho de praia mais tranquilo, longe de muvuca. Como não gosto de ficar lagarteando, propus caminhada a uma amiga chamada Claudia e nos desgarramos do grupo. Seguimos apreciando a linda paisagem de coqueiros, parando, de quando em vez, para fuçarmos artesanatos vendidos por passantes ou em barraquinhas. Num barco recém-chegado, peixes enormes embolados na rede. Até que nos demos conta da nossa distração. Tínhamos nos distanciado muito e as horas iam velozes. Voltamos apressados para nosso ponto de encontro e já não havia mais ninguém. O grupo partira. E o pior: nossas coisas, dinheiro, documentos, tinham ido também. Tudo ficara guardado na bolsa de uma amiga. Fomos para a estrada. Dali até a pousada talvez uns dez quilômetros ou mais. Uma situação. Seguimos pela beira com os polegares em pé para cada carro que passava. Ninguém dava carona. Acabamos nos conformando. Claudia se queixou de sede e cansaço. Também estávamos famintos.
Mais adiante, o Bar da Jurema. Fizemos parada ali. No balcão, uma mulher negra anotava num bloco palavra por palavra do que uma gordinha lhe ditava. Era receita de algum doce. Na vitrine, chamando nossa atenção, salgadinhos exalando um cheiro de enlouquecer. Um papelzinho no vidro anunciava serem bolinhos de aipim com carne. Na verdade, não eram bolinhos. Eram bolões.
A mulher interrompeu a escrita para nos atender. Expliquei nossa situação, contei que não tínhamos um tostão furado e agradeceríamos se ela nos fornecesse um copo d’água. Prontamente, ela buscou uma garrafa gelada, disse para bebermos a vontade e voltou para sua função. Eu, de curioso, quis saber do que se tratava a receita.
- Pavê de chocolate - respondeu a gordinha – Bem fácil de fazer.
- Hum! Delícia. Pena que sou uma negação pra fazer doce.
- Você sabe cozinhar, rapaz? – perguntou a balconista.
Eu disse que sim, que me virava bem. Descrevi o preparo de um frango com milho e creme de leite que faço no forno. As duas se interessaram. E acrescentei:
- Já doces... Só sei fazer um que não precisa levar ao fogo. É um salame de chocolate.
Ao ouvirem aquilo, as duas arregalaram os olhos.
- Salame de chocolate? Oxe! Que estória é essa? Salame?
- É a coisa mais simples do mundo, basta memorizar o algarismo “dois”.
A balconista jogou a folha anotada do bloco para trás e pediu:
- Taí. Fiquei curiosa. Me diz como se faz esse tal salame.
E eu fui ditando:
- 200g de chocolate em pé, 200g de açúcar, 200g de biscoito maisena, 200g de manteiga sem sal e dois ovos inteiros. Misture o chocolate, o açúcar, os ovos e manteiga até formar uma massa compacta. A parte, quebre em cacos com as mãos os biscoitos maisena. Depois, misture na massa. Abra uma folha de papel laminado, derrame nela um pouco de alguma bebida alcoólica, um rum, cachaça, licor... Depois coloque a massa e enrole em formato cilíndrico. Levar à geladeira e servir gelado, fatiando com ou sem o papel como se fosse um salame. Se desejar, acrescente passas, nozes... Também é possível substituir o chocolate em pó e o açúcar por um pote e meio de creme de chocolate com avelã.
As duas se encantaram com aquela novidade.
Resultado: em troca da receita daquele doce inusitado, ganhamos dois bolões de aipim com carne e dois copos de suco de caju.

Bendito salame de chocolate.

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