Dupla superpoderosa
Sábado
pela manhã na piscina do Grajaú Country Clube. Um senhor chamado Atílio nos
observava, eu e minha irmã Sonia Cristina dando nossas braçadas.
Foi
direto conversar com nosso pai.
“Seus
filhos nadam como peixes. Não gostariam de participar de uma competição?”
Seu
Atílio ficara responsável por recrutar a meninada para uma competição entre o
Grajaú e o Vila Isabel.
“Quando
será?”, perguntou meu pai.
“Amanhã
pela manhã lá na piscina do Vila.”
“Não
dá. Amanhã tenho compromisso importante.”
Na
verdade, eu e minha irmã não deveríamos competir por nenhuma outra agremiação
porque eramos atletas da Federação Brasileira de Natação e competíamos pelo
Tijuca Tênis com rotina bem puxada. Saímos de casa bem cedo para praticarmos
exercícios aeróbicos. Depois voltávamos perto das onze para as tarefas
escolares, banho e almoço (dieta rigorosa, vitaminas, suplementos...).
Colégio
de tarde. Por volta das cinco e meia, piscina. Fizesse bom tempo ou caísse
temporal, deveríamos vencer diariamente quase dez mil metros. Não adiantava
chiar.
Nos
finais de semana, sempre havia uma tomada de tempo ou competição entre rivais. Por
conta desse esporte, mergulhamos em quase todas as piscinas olímpicas da
cidade. Essa era a nossa rotina. Às vezes, até rolava uma festinha de
aniversário ou um bailinho de confraternização com os colegas.
Aquele
lazer na piscina do Grajaú era um raro momento de folga.
“Não
tem jeito mesmo?”, insistiu Seu Atílio.
“Infelizmente”,
respondeu papai. “É um almoço no Clube Mackenzie.”
O
homem expressou profunda tristeza, mas nada mais poderia fazer.
No
dia seguinte, papai estava na sala quieto no sofá refletindo. Mamãe se
preparando toda para o tal almoço.
“Italo.
Você não vai se arrumar?”
Ele
não disse nada. Levantou-se, vestiu uma bermuda branca, camiseta da mesma cor,
calçou as sandálias franciscanas e meteu o boné de marinheiro na cabeça. Para
finalizar, pendurou o cronômetro no pescoço. Minha mãe não entendeu nada.
“Você
vai no almoço de Rotary vestido desse jeito?”
“Mudei
de ideia. Vamos à competição em Vila Isabel.”
Foi
até nosso quarto e ordenou que colocássemos nossas roupas de banho. Mamãe aborreceu-se
pelo tempo que gastara se produzindo, mas nem tanto. Não estava tão interessada
em programa pomposo, ainda mais naquele domingo ensolarado.
Quanto
a nós, o desinteresse era maior. Não queríamos sair de casa.
Mas,
fazer o que?
Entramos
preguiçosos no carro que desceu ligeiro nossa rua e atravessou todo o bairro do
Grajaú. Porém, ao invés de seguirmos na direção do Boulevard 28 de setembro, papai
optou pelo caminho do Meier. Não entendemos nada.
“Pra
onde você está indo, Italo?”
“Vou
só dar uma passadinha no Mackenzie e avisar que não vamos ao almoço.”
Mamãe
quase teve um ataque.
“Você
vai pra dizer que não vai?”
“Qual
o problema?”
“E
vai entrar lá assim, com essa bermuda, sandália, esse boné?”
“Ora...
Não vou entrar nu.”
O
clima ficou pesado dentro do carro. Estacionamos bem na porta do clube. Mamãe
avisou que não saltaria de jeito nenhum. Não passaria vergonha.
Saltei
e fui com meu pai para ver a reação das pessoas. Ele realmente não se importava
com nada. Entramos por um salão de mesas compridas e ornamentadas com vasinhos
de flores, o povo todo de terno, as senhoras muito bem vestidas e nós daquele
jeito bem à vontade. Notei vários nos olhando, comentando, expressões de
deboche, risos. Eu encarava todo mundo de nariz torcido. Papai trocou palavras
com alguns mais chegados e exibiu orgulhoso o cronômetro azul.
De
volta ao carro, mamãe muda, irritadíssima.
Dali,
chegamos rápido ao Vila Isabel Country Clube. A competição já estava na metade
e acontecia numa piscina de vinte e cinco metros. O Grajaú, de grupo bem
minguado, perdia feio. Os donos da casa, com equipe grande e barulhenta, venciam
todas.
Seu
Atílio, quando nos viu entrar pelo cercado, abriu um sorrisão de tão feliz que
ficou.
Já
anunciavam a prova de cem metros nado livre. Fui levado imediatamente para a
raia do meio. Deram o tiro e eu disparei.
Venci.
Em
seguida, cinquenta metros nado borboleta para meninas. Foi a vez de Sonia
Cristina. Ela era veloz. Dava braçadas vigorosas.
Venceu.
Veio
a prova do nado de costas. Fui novamente. Barbada para mim.
Depois,
minha irmã. Outra vitória.
Seu
Atílio via que não nos cansávamos nunca e usou e abusou da gente.
No
regulamento daquela competição, não havia impedimento em se repetir atleta quantas
vezes quisesse nas provas e nós tínhamos uma vantagem: além da disposição e
velocidade, eramos os únicos que fazíamos a virada olímpica, aquela cambalhota que
se dá por debaixo d’água. Ninguém mais fazia aquilo.
E
fomos ganhando todas. A torcida do Vila Isabel se indignou com aquela mudança
no jogo. Muita reclamação, muita vaia todas as vezes que subíamos ao pódio.
E
a pontuação correndo até conseguirmos empatar.
Para
finalizar, duas provas de revezamento 4X200 metros. Uma feminina e outra
masculina. Foi bem apertado, porque a garotada do Grajaú parecia se afogar nas
braçadas. O nadadores do Vila nadavam melhor, eram superiores. Eu e minha irmã
fomos posicionados para o encerramento de cada prova. Deu certo. Recuperarmos
diferença e vencemos.
Resultado
da competição: vitória para o Grajaú.
Seu
Atílio pulou, gritou de euforia, distribuiu abraços. Já fazia planos para incentivar
a atividade jamais desenvolvida naquele clube contando com nossa participação.
Naquele
dia, saímos aclamados e cheios de medalhas douradas no peito, desanuviando o
clima pesado que se fizera dentro do carro.
Valera
a pena nosso pai ter optado pelo bonezinho de marinheiro e assistir seus heroicos
filhos a ter que almoçar com os chatos do Mackenzie.
Pratiquei
natação por alguns anos, conheci muitas piscinas até desistir, ávido por uma
vida normal de passeios, cinemas e bife com fritas.
Já
minha irmã ainda prosseguiu no esporte por mais um tempo.
Graças
a isso, encheu muitas vezes nosso pai de alegria ao conquistar mais medalhas, títulos
e troféus.
Ela era seu xodó. Seu orgulho.
Comentários