Aos pés de uma mulher divina
Eu
era menino, mas ainda me lembro de uma tarde ensolarada, um chá beneficente em
prol de um asilo de velhinhos que aconteceu no salão nobre do Tijuca Tênis
Clube. Minha mãe trabalhava na organização daquele evento que conseguiu
angariar uma boa quantidade de agasalhos, cobertores, utensílios, comida e dinheiro.
A
venda dos ingressos estava vinculada à promessa de um grande show de
variedades: mágicos, dançarinas, desfile de roupas de um estilista do bairro,
sorteio, bingo e, como atração principal, uma cantora que, naquela época,
estourava nas paradas de sucessos das rádios cantando um ritmo da região norte.
A
cantora era famosa.
Famosa
também era a mãe dela, notabilizada pelos muitos barracos que armava, conhecida
por se intrometer na vida amorosa e profissional da filha.
Restando
poucos dias para a festa, a dita mãe da cantora ligou para a organização
querendo saber o valor do cachê que a filha receberia. Ao ser informada de que
se tratava de um chá beneficente, mandou que retirassem o nome dela do cartaz.
“Minha
filha é uma estrela. Não canta de graça.”
Foi
um duro golpe, uma grande tristeza que logo se transformaria numa imensa satisfação. Desconheço o desenrolar dessa história, porque eu era muito pequeno.
Só
sei que esse drama chegou ao conhecimento da Elizeth Cardoso que, naquele
momento, cumpria temporada de shows em São Paulo. Mandou o seguinte recado:
“Eu
faço.”
Quando
souberam que a apresentação principal passaria a ser a da Divina, a venda dos
ingressos, duplicou, triplicou. Mais lugares foram acrescentados, ocuparam
todos os espaços daquele grande salão. Em
meio ao mar de mesas, uma passarela comprida.
Eu
me posicionei bem no final dela.
Vi
o povo chegando, chegando, chegando...
Muita gente. Superlotou.
Logo
começaram os números de mágica. Depois veio o desfile de modas, onde uma modelo
famosa, que no futuro se tornaria jurada de programa de TV, atravessou
repetidas vezes aquele tablado de madeira, trocando de roupa o tempo todo e causando
frisson ao surgir num maiô azul marinho.
Por
fim, a hora da grande estrela. Quando anunciaram o nome dela, a multidão delirou.
Elizeth, encantadora, surgiu num vestido reluzente, o cabelo preso, brincos
enormes. Entrou jogando beijos. Viera de São Paulo só para aquilo, mas voltaria
no mesmo dia, porque havia agenda a cumprir.
E
cantou Tempo Feliz (Baden Powell - Vinícius de Moraes).
Inesquecível, enorme emoção, momento mágico da minha vida.
Lembro-me
dela vindo devagar direto para mim. A música era Barracão (Luiz Antonio) com todo
mundo em coro. Ela parou bem na beirinha da passarela, eu quase tocando seus
sapatos.
Cantou
tudo o que pretendia cantar, disse palavras carinhosas, mandou mais beijos e
foi embora.
Pegou o voo de volta para São Paulo.
Nunca
mais esqueci aquela tarde, o calor do salão repleto de gente. Não sei se foi o
sol violando as vidraças ou aquela mulher nos aquecendo com o seu canto.
Ali
eu entendi a razão do seu título.
Ela merecia. Era realmente Divina.
Comentários