Beijos que matam


Tem gente que não gosta de beijo.
Não beija na bochecha, não beija a mão de ninguém.
Beijo na boca não, por receio de pegar bactéria.
Faz sexo sem beijo, mete lábios e língua em toda a parte, naquelas intimidades, mas beijar na boca, nem pensar.
Beijar é muito bom. Adoro.
Alguém se lembra do primeiro beijo?
Eu me lembro. Eu era apaixonado por uma garota branquela, magrinha, óculos de grau que se chamava Lúcia. A recíproca era verdadeira, mas nossa extrema timidez impedia que revelássemos um ao outro nossos sentimentos. Andávamos muito juntos. Nos finais de semana, brincávamos de balanço, gangorra, carrossel num parquinho. Ali, contávamos nossas bobagens e cantávamos nossa música preferida: “Na rua, na chuva, na fazenda” (Hyldon).
Depois a gente se despedia com um tímido beijo no rosto e ficávamos esperando a semana passar para o novo encontro.
Até o dia em que ela foi arrojada e, sem mais aquela, me sapecou um beijo na boca. Foi numa quadra de vôlei. Disse que queria falar uma coisa, agarrou meu rosto e mandou ver. Fiquei igual um panaca.
Dali, fomos treinar mais a novidade no escuro de um bondinho do parque.
Aprender a beijar de boca aberta e com a língua foi complicado, porque os dentes dela bateram muitas vezes nos meus.
Numa outra ocasião, uma vizinha do prédio da Avenida Maracanã me beijou naquela tradicional brincadeira de “Pera, uva, maçã, salada mista”. Aliás, essa vizinha quase me matou quando, num dia em que eu estava lá embaixo na rua diante da portaria, ouvi um chamado do sexto andar.
Olhei para cima, ela da janela do seu apartamento fez um gesto pedindo que eu esperasse. Voltou em seguida e mandou uma bisnaga embrulhada num papel. Aquilo caiu igual um meteoro, bateu com força no chão quase acertando minha cabeça. E no papel estava escrito: “Você é um pão.” Tornei a olhar para cima assustado e ela me mandou um beijo.
Beijo inesquecível foi aquele da Lúcia, o primeiro. Foi roubado.
Muito bom quando isso acontece, quando não se espera.
E quando você ganha beijo de gente famosa?
Fui com uma turma ao Centro Cultural Laura Alvim em Ipanema assistir a peça “Quartett” de Heiner Muller com Tonia Carrero e Sergio Brito. Meus amigos foram ao camarim do ator conversar, fazer entrevista para um trabalho de faculdade. E eu fiquei no pátio interno da casa esperando. Não havia mais ninguém. Foi quando a Tonia surgiu descendo as escadas. Usava um training, óculos de lente amarela, sem qualquer maquiagem e ajeitando os cabelos.
Ela me olhou com ternura e perguntou fazendo um biquinho:
“O que você está fazendo aqui sozinho, menininho?”
“Estou esperando meus amigos.”
“Pois é... Então eu vou ficar aqui com você pra esperar meu motorista.”
Sentou-se ao meu lado, num banco de cimento.
“Você viu a peça?”
“Vi sim. Adorei. Parabéns.”
Para disfarçar meu nervosismo diante dela, apontei para as paredes de pedra daquela casa e comentei:
“Esse lugar é interessante, não é?”
Ela concordou. Aquilo foi um pé para ela me contar estórias curiosas acontecidas ali e sobre a exuberante moradora daquela casa, sempre de negro e seus famosos saraus. Acho que ficamos ali sentados lado a lado por uma meia hora, até que vieram avisar que o carro dela chegara. E Tonia, na maior naturalidade, estalou um beijo na minha boca e se foi.
Outro beijo famoso foi após um magnífico show no Teatro João Caetano, no camarim, em breve conversa com direito a cantarolar junto “Segredo” (Herivelto Martins – Marino Pinto). Ganhei autógrafo e um selinho do “professor” Cauby Peixoto. Um Deus havia me beijado.
Em outra ocasião, eu estava com amigos tomando banho de mar na praia da Barra da Tijuca, quando vimos um bloco carnavalesco passando. Corremos para ver e ficamos junto ao meio fio do canteiro central da avenida. No meio do desfile, um bugre com a Elke Maravilha saracoteando em pé. Quando passou perto da gente, ela olhou pra mim, sorriu e fez um gesto para que eu me aproximasse. Fui. Ela arrebitou os lábios vermelhíssimos e me tascou um beijo na boca. Eu, tonto com a novidade, me desequilibrei, recuei, tropecei no meio fio e cai para trás.
Ela arregalou os olhos e colocou as mãos no rosto assustada.
Depois riu junto com todo mundo da minha cara.
Algumas vezes, eu saía da praia e ia direto me banhar nas quedas d’água das Paineiras. Numa tarde, eu e um amigo, os dois só de sunga, desamarrávamos os tênis na beirada da estrada prontos para o banho revigorante, quando certa atriz global passou rente a gente com uma amiga e falou com insolência:
“Nossa! Olha só que beleza de tênis!”
E me lascou um beijo sem vergonha. E eu me desequilibrei e quase cai ribanceira abaixo. As duas, gargalhando debochadamente, seguiram caminho.
Só não direi o nome da atriz, porque irão dizer que é mentira.
Mas foi um beijo de matar.
Matar de inveja.

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