Orgia sexual na piscina lá de casa
Em
tempos remotos, a palavra orgia possuía outro sentido.
Quando
alguém se proclamava “da orgia”, queria dizer que era uma pessoa das noitadas,
da folia, das festas. Depois é que a palavra teve outra conotação. Orgia virou
sinônimo de bacanal, encontros promíscuos.
Existe
também a orgia alimentar. Dessa, já participei algumas vezes.
Mas
a que vou me referir agora é mesmo orgia sexual. Sendo assim, não mencionarei aqui nomes para
não gerar problemas futuros.
Vamos
lá.
Um
amigo do meu tio, que amargava há tempos o desemprego, conseguiu trabalho numa
rádio de São Paulo e se entusiasmou com aquele mundo novo, desconhecido até
então, porque passou a conviver com gente de música, mas também de outras
artes. Num almoço natalino, ele relatava o seu dia-a-dia lá, a montagem da
programação, a escalação de convidados e, de repente, perguntou se não
cederíamos nosso lindo sítio perto de Campo Grande para a locação de um filme
nacional.
Meu
pai não levou aquilo a sério. Até riu.
“Filme?
Que filme?”
E
o amigo disse que conhecera um diretor famoso, bem conceituado, respeitadíssimo
no meio, deu as melhores referências, falou da dificuldade da produção, apesar
do elenco formado por estrelas televisivas. Propôs valores.
Meu
pai não demonstrou se sensibilizar. Não conhecia ninguém citado, não era
chegado a cinema, não dava crédito a nada daquilo.
O
outro tentou convencê-lo dizendo que o imóvel receberia certas benfeitorias.
“A
casa já tem tudo. Não precisa de nada.”
Somente
o argumento final fez com que meu pai amolecesse ao escutar que, através das
imagens, a casa se perpetuaria, seria vista em tela grande por todo mundo.
Aceitou.
Cederia a casa, mas com uma condição: que não fossem gravadas cenas imorais,
cenas de sexo.
O
amigo garantiu que se tratava de um roteiro sério sobre uma linda estória de
amor. Nada de imoralidades.
E
tudo foi acertado.
Logo
me entusiasmei com aquilo. O cinema me fascinava e eu teria a oportunidade de
acompanhar todo o processo de filmagem, a preparação do elenco, a tomada de
cena quadro a quadro, conheceria os recursos utilizados.
Lembro-me
da chegada da equipe. Eu estava lá para recepcioná-los numa manhã de um dia
qualquer de semana. De dentro de uma Kombi, saltou uma atriz que eu admirava
muito, consagrada no teatro e, recentemente, fizera uma novela das seis. Sua
participação na película seria pequena, faria a mãe de um menino envolvido num
crime. Trocamos beijos, conversamos. Ela me contou coisas da sua carreira,
falou de família. Morou anos na Dinamarca, estudou teatro em Londres, aprendeu
idiomas.
Acompanhando
a Kombi, um carro vermelho trazia a estrela principal do filme.
Também
famosa, bonita, cabeleira loura, olhos bem verdes, ignorou a minha existência. O diretor veio, apertou minha mão e pediu para
vermos logo toda a casa. Era um sujeito sério, cara de mau, olhar desconfiado,
gorducho, sempre a mexer no bigode e na cabeleira desgrenhada e oleosa.
Depois
de percorrer todos os cômodos, sorriu.
“Essa
casa é perfeita.”
Todos
caminharam ao redor da piscina. A assistente de direção sugeriu que a cena do
crime fosse transferida para ali. Ele não concordou:
“Ela
será morta dentro da casa. Vamos deixar a piscina para as cenas mais fortes.”
Cenas
mais fortes? Que cenas poderiam ser mais fortes que as de um assassinato?
Os
equipamentos foram se espalhando pelo jardim e varanda. Eu ali fascinado,
curioso, perguntando tudo. Logo fiz amizade com a continuísta, que também era a
responsável pela maquiagem. Ela ia saciando minha curiosidade.
A
fome apertou e todos seguiram para o restaurante do clube perto dali. Sentei-me
ao lado do diretor e quis saber detalhes do roteiro.
O
homem coçou o bigode, passou a mão na cabeleira para ensebá-la mais e respirou
fundo, antes de falar. Na verdade, não estava a fim de falar nada. Mas não teve
saída. Disse-me que se tratava de um fato real, um crime misterioso acontecido
numa cidade da Baixada Fluminense. Uma rica e bela mulher fora encontrada morta
em sua mansão com três tiros no peito. As suspeitas recaíram imediatamente sobre
um adolescente que ela empregara como caseiro. Uma vizinha depôs afirmando que os dois
estavam tendo um caso, apesar dela estar noiva de um playboy.
Notei
que o sujeito ficara contrariado. Não estava a fim de dar explicações ou
revelar qualquer detalhe da produção para um abelhudo como eu. Tentando
conquistá-lo, elogiei a iniciativa dele em abordar tal tema, um trabalho
documental admirável.
Minhas
palavras eram nada para o homem que, naquele momento, enchia a boca de talharim,
os inúmeros fios do macarrão pendurados, o bigode se emporcalhando de extrato
de tomate. Um ogro.
Continuei
minha tagarelice. Resolvi listar alguns filmes que considero de baixo calão,
dizer da minha contrariedade por gastarem tanto dinheiro e tempo com porcarias.
Já aquele trabalho merecia reconhecimento. Percebi que finalmente eu tocara seu
coração, porque ele parou de mastigar e seu rosto ficou vermelho.
Levantei
e fui fazer meu prato.
Assim
que souberam da novidade, meus amigos correram para também assistirem às
filmagens. Com eles, acompanhei cenas que se repetiam muitas vezes, cenas
refeitas, mudança de ângulos, closes...
Num
certo dia de sol e calor medonho, a luminosidade que entrava pela varanda desapareceu
assim que estenderam uma lona gigantesca.
E,
em pleno meio-dia, se fez noite na sala da nossa casa.
Um
cameraman apoiou a máquina no ombro e mirou a lente no rosto da atriz loura.
Foi devagar caminhando na direção dela e ela indo para trás, entrando pela
cozinha, se apoiando no batente da porta, nas paredes, o olhar desesperado
enquanto dizia:
“Não!
Não faça isso! Não! Não!”
Em outro dia, a preparação para a cena dos
tiros. Instalaram três saquinhos com sangue artificial e espoleta ligadas em fios
por dentro da camisa da loura.
Essa
fiação descia pelo chão e corria até o operador de efeitos especiais. Quando o
diretor gritou “Ação!” o cara apertou as teclas três vezes seguidas. Para cada
uma delas o estouro e o sangue espirrando. A mulher gritava, se jogava para
trás, se contorcia. Porém, cada tiro que ela levava, além do sangue, saíam
fagulhas.
O
diretor se irritou:
“Tá
saindo fogo! Que bosta é essa?”
Tiveram
que refazer. Trouxeram nova camisa, novos saquinhos e, na hora dos tiros,
novamente fogo e fumaça.
A
assistente de direção sugeriu que se fizessem recortes na fita no instante das fagulhas.
Ficou decidido assim.
A
cena dos polícias diante do corpo também foi demorada. Avançaram noite adentro.
Eu ali atento, acompanhando tudo.
Eles
se deram conta de que faltara um ator figurante para fazer o médico-legista. Um
amigo nosso Seu Dudu se ofereceu e foi. Acharam que tinha perfil adequado.
Deram a ele um jaleco, prancheta e nenhuma fala.
Finalmente
as gravações passariam a ser na piscina. Fariam as tais cenas fortes.
Um
jovem ator apareceu, colocou sunga e deitou-se na espreguiçadeira. A assistente
de direção ensaboou o corpo peludo dele todo e foi cuidadosamente passando um
aparelho de barbear pelas pernas, peitos, costas até ele ficar liso, liso.
Aquilo era preciso, porque era ele o interprete do adolescente imberbe.
Nesse
dia, conheci a mulher do diretor. Uma bela mulher, corpo escultural. Veio para
fazer uma ponta e acompanhada de outros dois atores figurantes.
Sem
o menor constrangimento, tirou a roupa toda. Ficou nua em pelo. Abriu um tubo
plástico com óleo de bronzear e o foi espalhando bem devagar por suas partes.
Corri
ao telefone para avisar aos amigos que havia uma mulher pelada na minha
piscina. Eles não demoraram nada a chegar. Só que também se depararam com os
dois caras peladões saltando, dando mergulhos. Minha irmã apareceu logo depois com
amigas e se assustaram com aquilo.
E
deram início a uma cena bastante picante da bela com os dois amantes, garanhões
que a agarravam, lambiam, beijavam, tudo dentro da piscina. Um deles possuía voz
bem grave, mas a cada vez que a câmera parava de gravar, ele dava gritinhos
histéricos, bem estridentes, reclamando que a água estava gelada, que sentia
calafrios e que tudo ali estava encolhendo.
Fiquei
pasmo com aquela transformação. Coisas de cinema.
Mas
a cena inesquecível mesmo foi a que se deu em seguida, quando meu pai chegou e
viu aquilo tudo. Ele, enfurecido, gritou, esbravejou, fez a terra tremer.
Não
admitiria uma coisa daquelas na casa dele. Ali não.
Que
fossem para um motel, um bordel.
Botou
todo mundo pra fora.
Foi
hilário ver aquela gente pelada correndo apavorada, se vestindo de qualquer
jeito.
O
diretor não se abalou, porque as cenas mais importantes já haviam sido rodadas.
Todos
se retiraram depressa e de forma nada amistosa.
Na
verdade, a coisa começara mal, porque naquele primeiro almoço com a equipe de
filmagem, dei um vacilo terrível com o diretor, ao relacionar filmes que considerava
de baixo calão. Entendi depois a razão de o sujeito ter corado, interrompido a
mastigação do seu talharim. Eu não tocara seu coração positivamente.
Segundo
a continuísta minha chapa, todos os filmes, todos sem exceção que citei eram
dele.
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