O encontro de Jararaca e Ratinho no céu (do jornalista Eldemar de Souza)
Bateram
à porta do céu
São
Pedro disse: “Já vai!”
Limpou
as barbas do mel
Que
havia lhe dado o Pai,
Levantou
com toda a calma,
Lavando
as mãos na travessa,
Pois
sabia que era alma
E
alma nunca tem pressa.
Retirou
então a estaca
Que
reforçava o portão
E
em pé, de chapéu na mão,
Lá
estava o Jararaca.
São
Pedro tão logo viu
Reconheceu
o artista:
“Este
veio do Brasil,
Eu
o conheço de vista.
Já
sei que hoje tem festa
De
entrar pela noite inteira,
Alguns
vão cantar seresta
Outros
dançar gafieira.
Jararaca
que estava
Ansioso
para entrar
Tratou
logo de falar
Pro
santo que o espiava:“Me dá licença, meu santo!
Gostaria
de entrar.
Eu
só preciso de um canto
Para
poder descansar.
Passei
81 anos
Por
sobre a face da Terra.
Tive
sonhos, tive planos
E
assisti a duas guerras.
Cá
pra nós, fui comunista,
Mas
isso lá é pecado?”
Contou
um caso engraçado
Com
sua verve de artista.
Pedro
riu aos borbotões
E
foi logo lhe abraçando.
E
ele com seus botões :
“Já
sei que estou agradando.
De
fato, logo em seguida
Pedro
disse: “Venha cá!”
E
numa estrada comprida
Começaram
a caminhar.
Jararaca
acompanhou
Todos
os passos de Pedro,
Que
à sombra de um arvoredo
Parou
um pouco e sentou.
Passaram
mais de uma hora
Naquela
sombra gostosa.
São
Pedro dormiu, emboraJararaca todo prosa,
Por
estar acompanhado
Do
velho santo chaveiro
Tenha
ficado acordado
Entre
feliz e penseiro.
Até
que chegou Mateus,
Trazendo
às mãos numa carta,
Saudações
de Santa Marta
E
as boas vindas de Deus.
Dali
São Pedro voltou
Pra
junto da portaria
E
Mateus comunicou:
“Agora
sou eu o guia!”
Jararaca
foi levado
Pelos
jardins do infinito
E
dizia deslumbrado:
“Que
bonito! Que bonito!
Mas
nem de longe previa
Que
além de tanta beleza,
Uma
agradável surpresa
Esperava
ao fim do dia.
Chegaram
ao sopé de um monte
De
proporção gigantesca,
Avizinhado
a uma fonte
Onde
corria água fresca.
Subiram
bem lentamente,Assim como passeando:
São
Mateus ia na frente,
Jararaca
acompanhando.
Vez
por outra conversavam
Sobre
coisas de além vida
Que
aliviava a subida,
Na
medida em que avançavam.
Em
plena noite fechada
Chegaram
ao fim do caminho.
Por
ter vencido a escalada
Jararaca
riu sozinho.
Não
tinha o corpo cansado
Nem
respirava ofegante,
Tava
até bem humorado,
Discretamente
elegante.
“Que
lugar maravilhoso!”
Disse
ele pra o santo .
De
fato, era um recanto
De
traçado harmonioso.
São
Mateus beijou-lhe o rosto
Em
sinal de despedida.
Na
sequência, bem disposto,
Daria
início à descida.
Mas,
antes disse pro velho:
“Você
fica por aqui.
Eu
não vou lhe dar conselho,Cada um sabe de si”.
Pediu
que o recém-chegado
Procurasse
o seu retiro
E
após um leve suspiro
Retirou-se
sossegado.
Jararaca,
incontinente,
Se
pôs em marcha na estrada,
Que
daria, certamente,
Em
sua eterna morada,
Enquanto
ia, pensava
No
que Mateus lhe dissera
E
até acrescentava:
“Valeu
a pena a espera!
O
descanso e, finalmente,
Uma
vida plena e franca...”
Mas
nisso, uma casa branca
Pintou
logo à sua frente.
Era
uma casa pequena
Rodeada
de jardins,
Onde
brotavam açucena
Margaridas
e jasmins.
Um
cheiro de natureza
Impregnava
o ambiente.
Havia
uma luz acesa,
Mas
nenhum sinal de gente.
Quando
à porta ele bateu,Alguém perguntou: “Quem é?”
Pela
voz era mulher
E
o velho disse: “Sou eu!”
“Pode
entrar que a casa é nossa!”
Tornou
a voz, lá de dentro.
Jararaca,
em tom de troça,
Respondeu:
“Claro que entro!”
Abriu
a porta num instante,
Penetrou
na ante sala
E
o que viu foi o bastante
Pra
quase perder a fala.
Ficou
parado e feliz
Diante
do que ele via.
Quem
é que lhe recebia?
A
própria Leila Diniz.
Leila
disse: ” Chega mais!”
E
Jararaca chegou,
Envolto
naquela paz
Que
na casa ele encontrou.
Ela
ficou tão contente
Quando
viu o humorista,
Que
anunciou prontamente:
“Pessoal,
chegou o artista!”
Toda
a gente já sabia
Do
que tinha acontecido,
Que
ele havia subidoPor volta do meio-dia.
De
repente, um brilho intenso
Começou
a se espalhar
E
um leve cheiro de incenso
Confundiu-se
com o ar.
Jararaca
olhou pros lados
Só
viu amigos sumidos,
Há
muito desencarnados,
Porém,
jamais esquecidos.
Toda
a gente cintilava
Pela
casa toda acesa
E
até, pra sua surpresa,
Seu
corpo também brilhava.
Estava
o Ciro Monteiro
Ao
lado do Gordurinha.
Ao
fundo, Augusto Calheiros
Entoava
uma modinha
No
ouvido do Agostinho
(o
grande amigo) dos Santos,
Aumentava
o burburinho
De
gente em todos os cantos.
Pintou
também Noel Rosa,
Além
da Carmen Miranda.
Descansando
na varanda
Estava
o Orestes Barbosa.Ao entrar, Ary Barroso
Saudou
custódio: “Meu mano!”
E
pediu atencioso
Que
lhe emprestasse o piano.
Então,
Chiquinha Gonzaga
-
Cheia de desprendimento -
Solicitou
uma vaga
Nos
agudos do instrumento.
Como
a dupla dava pé
Ambos
fizeram bonito,
Tocando
um tango erudito
De
Ernesto Nazareth.
Entrou
pela madrugada
Aquela
reunião,
Cada
vez mais animada
Com
muita luz e canção.
Zé
da Zilda e Chico Alves
Só
chegaram bem depois,
Entre
bom- dias e salves
Acomodaram-se
os dois.
Acenando
com um lenço,
Num
cumprimento discreto,
Estava
o Torquato Netto
Que
renovou o incenso.
Pintou
Dalva de Oliveira,
Alda
Garrido e Nonô.E mais: Geraldo Pereira
Dolores,
Índio e Sinhô;
Pixinguinha,
Luiz Pixoto,
Ataulfo,
Assis Valente,
Joubert,
Maria, Garoto...
Meu
Deus, como tinha gente.
Outros
nomes consagrados
Foram
levar seu abraço.
Porém,
por falta de espaço,
Não
são aqui mencionados.
Jararaca,
satisfeito
Com
aquela recepção,
Sentia
dentro do peito
Uma
tremenda emoção.
No
entanto, estranhava
A
ausência de Ratinho.
Por
que ele não chegava?
Teria
errado o caminho?
Foi
aí que, de repente,
Falou
Nestor de Holanda
E
a entrada de uma banda
Anunciou
gravemente.
Tinha
um anjo na trombeta,
Outro
anjo no trombone,
Um
arcanjo na corneta
E
outro no vibrafone;Na flauta Antonio Callado,
Zé
Dantas no tamborim,
Um
querubim no teclado,
Na
viola um benjamim;
Heitor
no seu cavaquinho
Tocava
divinamente
E
ao seu lado, finalmente,
Na
clarineta: Ratinho.
Jararaca
deu um pulo
De
entusiasmo incontido,
Até
assustou Catulo
Que
estava distraído.
Correu
pro meio da banda
Para
abraçar Severino,
Que
tocava uma ciranda
Bem
ao gosto nordestino.
Em
meio a tanta alegria
Não
seria anormal
Que
um grito de carnaval
Se
armasse naquele dia.
Num
instante toda a gente
Se
organizou em cordão.
Metais
e cordas na frente,
Mais
atrás a percussão.
E
saíram pela estrada
Num
entrudo original,Sem fantasia sem nada,
Tudo
muito ao natural.
Não
quiseram mais cantar
Modinha,
samba ou bolero,
E
só deu: “Mamãe eu quero,
Mamãe
eu quero mamar”.
Não
parou naquele dia
A
festa do Jararaca.
Há
muito que não se via
No
céu tamanha fuzarca.
Nem
Bing Crosby resistiu
À
força de tal festança,
No
quinto dia subiu
E
também entrou na dança.
Assim,
passei pro papel,
Com
dedicado carinho,
O
encontro de Ratinho
E
Jararaca no céu.
Comentários