Duelo na pista de dança

          Manhã de segunda-feira, eu apavorado, coração na boca, unhas cravadas no assento traseiro do automóvel negro a percorrer em alta velocidade a rodovia Rio-Juiz de Fora. O motorista Ederson se gabando por manter a media da velocidade entre cento e dez a cento e vinte por hora, mesmo em curvas perigosas, ignorando a cerração e chuva forte em alguns trechos. Ao seu lado, minha amiga Maria de Lourdes achando tudo ótimo, sem qualquer temor pelos riscos. Sogra e genro iam tagarelando, gargalhando muito. Primeira parada foi no Alemão para comermos croquetes e mil folhas.  A segunda, o Salvaterra de Petrópolis com seus folheados de queijo e empadas maravilhosas.
Eu estava ali por insistência daquela minha companheira de dança. Seria uma semana inteira na casa da filha Maria Regina na cidade mineira de Viçosa, onde dois bailes tradicionais aconteceriam em comemoração pelo dia das mães.
A viagem, que costuma durar em média sete horas, foi concluída pelo possante em quatro. Chegamos às duas e meia da tarde e saudados com alegria pelo netinho Rafael cantando “Mama África” do Chico Cesar. Maria Regina já nos esperava com a mesa posta, uma travessa de macarronada fumegando e um amigo da família chamado Mario Augusto, jovem nortista cheio de elegância e cerimônia, partidário fervoroso do PSDB.
Durante o almoço, Lourdes combinou passeios e falou dos dois bailes que nos esperavam, um na sexta, outro no domingo. Antes que viesse a sobremesa, ela foi até o telefone, fez uma ligação e voltou com a novidade:
- Acabei de marcar minha aula de dança amanhã com o tal professor João.
- Por que fez isso, mamãe? – desagradou-se Maria Regina – Que maluquice! E você precisa de aula de dança?
Não entendi e quis saber. Elas me explicaram que o professor João era um grande mestre na dança de salão, muito respeitado na cidade.
- E você falou pra ele que já é uma dançarina? – perguntei.
- Menti – respondeu sorridente – Inventei que não sei dançar.
- Essa minha sogra... – disse Ederson – Vai lá só pra tirar sarro do homem.
Lourdes tentou se reparar:
- Ora... Sarro não. Eu quero pesquisar, saber como ele ensina.
Minha amiga é figuraça, uma das criaturas mais engraçadas e debochadas que conheço. No dia seguinte, cedo, preparou-se toda para interpretar sua personagem. Vestiu roupa discreta, cobriu os cabelos curtos com lenço para esconder os cabelos tingidos de vermelho, jogou um casaquinho por cima, igual uma senhorinha frágil, e saiu para sua aula de iniciação, sem imaginar as consequências daquela brincadeira. Horas depois, retornou gargalhando:
- Gente! O homem é muito velho. Deve ter uns dez anos a mais que eu. Tem olhar de tarado, anda todo curvadinho e usa uma peruca pequena na cabeça.
Interrompeu a narrativa para rir alto. Depois continuou:
- Bem na entrada da casa dele tem uma placa escrita “Professor João E.C.”
- E o que é “E.C.”?
- Sei lá, garoto. Deve ser “Espinhela caída”.
- A aula foi boa, pelo menos?
- Nada. Fez comigo uns passinhos básicos mixurucas. Disse que eu levo jeito e quis marcar outra aula?
- E você marcou?
- Claro que não. Falei que foi só uma tentativa, que não sou boa de aprender.
Nos dois dias consecutivos, passeamos bastante por Viçosa. Lourdes em seus trajes normais, blusa de alcinha e saia rodada dessas que se abrem como uma flor ao menor movimento. Conhecemos o Condomínio Camari, um shopping, a residência do presidente Arthur Bernardes e o Centro Cultural Guerra Peixe.
Em casa, o netinho Rafael já estava encantado comigo, me chamando para jogar jogos, chutar bola, brincar de luta e até subiu nos meus ombros.
- Você se chama Beto?
- Não. Beto é apelido. Sou Carlos Roberto.
- Ih... Que maneiro. O contrário de Roberto Carlos. Você tem irmãos?
A avó interrompeu o interrogatório:
- Pergunte ao “Manoel” Beto o que quiser, mas vamos comprar doce de leite.
- Oba!
Lourdes, quando não me chama de “garoto”, acrescenta sempre o “Manoel”, porque diz que eu sou o quarto filho dela. Além da Maria Regina, gerou o mais novo Manoel Carlos e o Manoel Francisco, filho mais velho que mora na Bahia.
Saímos de mãos dadas com o pequeno para o mercado que fica dentro da universidade. Mal chegamos lá, ouvimos a música “Começaria tudo outra vez” (Gonzaguinha) no som ambiente. Lourdes pegou minha mão e me obrigou a conduzi-la num breve bailado. Eu a rodopiei e finalizamos com a pose que ela mais gosta, a mais ousada, onde a dama eleva seu joelho até a cintura do cavalheiro. O netinho orgulhoso, os clientes e as caixas aplaudiram. 
No calçadão da cidade, jogamos moedas ao rapaz “vitrine viva” todo pintado de dourado, paradinho, imóvel na porta de uma floricultura e falamos penca de bobagens com um travesti chamado Brenda que passava e mexeu conosco.
- Adoro essa cidade, Beto. Estou pensando em vender o apartamento no Largo dos Leões e me mudar pra cá. O Rio está violento demais, as ruas sujas, barulho infernal. E as calçadas? Outro dia, quase me esborrachei no chão. Sou uma senhora de setenta anos. Quero qualidade de vida, garoto.
Minha amiga, constante parceira nos bailes e nas aulas no Centro Jayme Arôxa, andava com essa ideia fixa depois que viu um carro mandar uma mulher longe bem defronte ao seu prédio. Temia morrer de atropelamento, ou pior, sofrer queda, ficar inválida e não dançar nunca mais.
Na quinta-feira, íamos os dois tranquilos e fora da calçada, ela comentando do sossego reinante, quando ouvimos vozes cantando “Eu sei que vou te amar” (Tom e Vinícius). Vinha do Clube Atlético. Fomos lá conferir. No segundo andar, um coral de velhinhas ensaiava num salão para o dia das mães. Havia também alguns senhores. Cantavam bonito. Uma graça.
Quando entoaram o último acorde, uma delas, com ares de chefona, sem tirar os olhos da gente, avisou que estava na hora da aula de dança e veio até nós. Chamava-se Maria e quis saber se tínhamos gostado. Elogiamos e revelamos que eramos dançarinos de uma academia no Rio de Janeiro.
- Certamente vocês irão ao baile amanhã no Clube Parque das Águas, não?
- Sim. Com certeza.
- Que ótimo. Já que vocês são de academia, que tal dançarem pra gente?
Lourdes se fez de rogada, mas estava doida pra se exibir para aquela turma que regulava com ela na idade. Porém, ninguém ali possuía aquele corpo esguio, o modo arrojado de se vestir, o cabelo tingido daquele jeito.
Uma senhora chamada Clarice aproximou-se com os olhos lacrimejando, agarrou minha amiga quase sufocando e disse entre soluços:
- Minha irmã! Minha irmã! Há quantos anos não nos vemos? Que saudade!
Um constrangimento. Lourdes se desvencilhou logo da equivocada.
- Querida. Está havendo um engano. Não sou sua irmã. Não sou.
- Como não é? Você não é a Clotilde que mora em Goiânia?
- Que Clotilde! Que Goiânia! – rebateu com irritação – Eu sou do Rio.
E agarrou-me pelo braço, me levando até o centro do salão.
- A mulher é maluca – sussurrou - Vamos dançar, pelo amor de Deus.
Fora o embaraço, Lourdes não suporta que a agarrem, que fiquem pegando nela. Tem paranoia de doença, pavor de se contaminar com alguma bactéria.
- E então, Dona Clotilde? – debochei - O que vamos dançar pra eles?
- Veja só isso... – disse segurando o riso – E eu tenho cara de Clotilde?
Armamos a pose e esperamos D. Maria acionar a aparelhagem de som. O grupo, na maior expectativa, abriu uma grande roda e o bolero “Quizás, quizás, quizás” (Osvaldo Farrés) começou. E nós dois saímos bailando, rodando, rodando, minha parceira preocupada em saber se sua blusa estava ou não babada pela chorona. Sem se dar conta da tal cisma, o povo se deliciava com nossa habilidade na variação de passos. A saia dela se abrindo, revelando, em alguns momentos, as pernas ainda rijas. Mas, na quarta volta, Lourdes apertou com força minha mão e balbuciou:
- Chi... Minha Santa Pelágia. Estamos fritos, garoto. E agora?
Bem na entrada do salão, os olhos crivos na gente, o professor João “Espinhela Caída” acompanhava a sua falsa aluna iniciante evoluindo com maestria, executando passos elaborados que ninguém ali, nem ele, conheciam.
A música terminou e nem fizemos a pose preferida. Fomos até o mestre para cumprimentá-lo, mas ele não disse palavra, nos desprezou. Seu rosto vermelho, certamente de raiva. Alisou a peruca e nos deu as costas.
Novo constrangimento.
Saímos rápido dali com Lourdes tentando disfarçar sua vergonha.
- É, Dona Clotilde. Acho que arrumamos um inimigo, o professor peruquento.
- Pior foi aquela mulher com o nariz escorrendo, garoto. Vou ferver essa blusa.
Aquele foi o começo de tudo.
Em breve, nos veríamos todos no baile e uma guerra seria deflagrada.
A noite de quinta-feira começou no Bar Jarbinhas (ou Manjubinhas) com Maria Regina, Ederson, o pequeno Rafael e o amigo Mario Augusto, sempre com papo de política. Na mesa ao lado, o rapaz “vitrine viva”, ainda com manchas de tinta pelo corpo, disputava uma porção de fritas com outro.
Pedimos gurjão de frango que não vinha nem por um decreto. Só as bebidas.
O gerente da casa foi ao microfone e anunciou que, dentro de instantes, aconteceriam os shows de Carla Picorelli e de Gleison Tulio.
- Gleison Tulio? Eita... O que será que canta esse Gleison Tulio?
- Tai. Gostei desse nome. Achei legal – elogiou o pequeno Rafael.
Com a demora no atendimento, Ederson sugeriu:
- Que tal cancelarmos o gurjão e cairmos fora daqui? O pizzaiolo Xexeca lá do Coccinella nos prepara uma massinha dos deuses.
- E perder o show do Gleison Tulio? – ironizou Maria Regina.
- Xexeca, Gleison Tulio, Clotilde, João “Espinhela Caída”... – brinquei – Quantos nomes, meu Deus.
Saímos dali. No caminho da pizzaria, encontramos com mais amigos comendo sanduíches ao redor de mesinhas de ferro na calçada da Lanchonete Lu: o calado João Batista e duas mulheres de meia idade, uma delas, a tímida e loura Toninha, proprietária de poderoso buço de pontinhas se dobrando qual Salvador Dali. A outra, a morena Heleninha, no segundo copo de chope já revelando aquilo que tentava esconder, a languidez no olhar. As duas, viúvas.
Sentamos com eles. Os sanduíches daquela lanchonete tinham boa reputação.
Tudo o que pedimos chegou rápido. Enquanto comíamos, papo vai, papo vem, o sereno descendo sobre nossas cabeças, Heleninha reclamou do frio e enfiou, sem cerimônia para aquecer, sua mão dentro do bolso esquerdo da minha calça. Foi então que teve a feliz surpresa: apesar da calça ser nova, aquele bolso, por uma falha na costura, não possuía fundo. Qualquer coisa que entrasse ali iria direto para vasto território. Animada com a descoberta, começou a alisar os pelos da minha coxa e afins, uma situação que eu já tinha vivido anteriormente. Lourdes percebeu o que acontecia, aquela mulher se assanhando, passando da conta. Disse:
- Vamos pedir a conta. E amanhã, levo essa sua calça na costureira.
Sexta-feira. Sol. Passeio pelo Armazém de Café, local de trabalho do calado João Batista. Depois, Lourdes foi sozinha ao centro da cidade levando minha calça. Eu visitei com o pequeno Rafael o horto florestal e papeamos com o simpático Seu Vivi, que mostrou a árvore que dá coité e tantas outras, como o pau-brasil e gingko biloba (árvore leque). Era o cuidador do lugar.
          Noite gelada no Clube Parque das Águas com direito à névoa cobrindo o lago. Muitos carros chegando, o salão se enchendo de gente, a orquestra do maestro Zé Boia atacando “It’s not for me to say” (All Stillman – Robert Allen). Eu e minha partner adentramos na maior elegância, conduzidos até lá pelo casal Maria Regina e Ederson. O povo nos olhando com desconfiança. Eu todo de preto, camisa de manga comprida, calça e sapato verniz. Lourdes embrulhada num casacão longo a esconder a saia rodada, própria para a ocasião, mas revelando dois saltos altíssimos.
Fiquei preocupado com o piso de granito:
- Você notou a pista?
- O que tem?
- Escorregadia como sabão, um “Holliday on Ice”. E esses seus sapatos altos...
- Sossegue. Mandei forrar a sola com borracha. Sou esperta, garoto.
No meio de tantos músicos, havia um baixinho engraçado, magro, bastante espevitado se agitando todo ao tocar os instrumentos de percussão. Em outros momentos, tocava violino.
- Olha só aquele sujeito ali – mostrou-me – Parece um “Anão trifásico”.
- Esquece o anão e veja quem acaba de chegar. O velho da peruca.
- Ui. O João “Espinhela”. Será que ele não vai mesmo falar com a gente?
Mais parecendo um mafioso que dançarino, o velho professor, num casaco comprido marrom, a peruca reluzindo, acabava de entrar com uma partner de cabelo bombando no laquê e o já conhecido grupo do Clube Atlético. Parecia um exército. Passaram pela nossa mesa, alguns fuzilando-nos com o olhar, outros, em discreto cumprimento.
- Não vá me arrumar confusão, mamãe – recomendou Maria Regina tensa.
- Isso mesmo, minha sogra – reforçou Ederson – A senhora aqui é estrangeira.
- Pois eu só quero fazer o meu sucesso – revidou ela.
O professor percorreu mesa por mesa para cumprimentar amigos, autoridades, o prefeito, os graúdos da sociedade viçosense. Quando se aproximou da nossa, passou direto.
- Que antipático – eu disse – Vai se morder quando entrarmos pra arrasar.
- Vamos então, “Manoel” Beto.
Inauguramos a pista ao som de “Smoke gets in your eyes” (J. Kern – Otto Harbach). Executamos passos simples, sem muitos floreios, bailando pelos cantos no sentido anti-horário, como deve ser. O velho professor se sentiu desafiado. Levantou-se de onde estava, pegou a mulher do laquê e os dois se puseram bem no meio do salão realizando movimentos delicados. Algumas mesas bateram palmas. Outros casais foram se formando ao redor do seu mestre, tudo muito tranquilo, tudo na paz, todos embalados por “Only you”(Buck Ram). Foi então que a orquestra do Zé Boia partiu para os ritmos mais acelerados. Mandaram “I will wait for you” (Norman Gimbel – M. Legrand) seguida de “Let’s twist again” (Mann – Apell).
Lourdes animou-se:
- Oba! Agora nós vamos nos espalhar.
E saímos no soltinho, jogando as pernas para cima, abrindo espaço no salão, tão agitados quanto o “Anão Trifásico”. Um casal conhecido nosso se aproximou sem que os víssemos: o quieto João Batista com Toninha, a loura do vasto buço. Olhei para nossa mesa. Sentada ao lado de Ederson e Maria Regina, a esfogueada Heleninha a mirar-me gulosa. Aquela minha momentânea distração nos fez trombar justamente no professor e sua mulher do laquê, que balançou, mas não caiu. Os dois tinham se atravessado bem na nossa frente e se exibiam com giros e mais giros. Pedi desculpas, mas ambos ignoraram. Viraram a cara e seguiram com o bailado.
- Viu só? Ele tem força na peruca. O treco nem saiu do lugar.
- Parece um bicho morto na cabeça. Você não devia ter pedido desculpas. Esse velho metido foi que nos atropelou.
- Tudo bem. Vamos deixar pra lá.
- Vamos é passar a frente deles, garoto.
Obedeci. Fizemos uma ultrapassagem dessas de Fórmula Um. Demos umas duas ou três voltas passando velozes por eles até cansarmos.
Segui para a mesa. Lourdes para o toalete.
Mal me sentei, Heleninha, ao meu lado, tratou de enfiar a mão no espaço aberto da lateral da minha calça. Foi grande a decepção. O bolso estava devidamente costurado.
- Já estão reclamando de vocês – alertou Maria Regina – Tente conter mamãe.
- Jura? Que gente mais boba.
Lourdes voltou do banheiro rindo.
- Uma mulher calva veio dizer que eu estou bancando a garotinha. Hahahaha!
- E você respondeu o que?
- A verdade. Não posso fazer nada. Eu sou mesmo uma garotinha.
Nenhum tempo para sermões. “Datemi un martello” (Bardotti – Hays – Seeger), sucesso da Rita Pavone, nos incentivou ao retorno à pista.
- Vai! Faça-me girar com vontade – pediu minha parceira.
E eu a fiz rodar igual pião, a saia se abrindo, subindo às alturas. Fizemos isso seguidamente. Um casal quis reproduzir o que fazíamos. Na primeira rodada, a mulher escorregou, fez que ia cair. Conseguiu se equilibrar. Titubeou de novo na segunda volta, seu par tentou segurá-la, mas perdeu o controle das pernas. E... Tibum! Os dois foram ao chão. Tentamos acudi-los, mas não contivemos as gargalhadas. Os dois tomaram aquilo como ofensa. Foi uma situação.
Retornamos para a mesa. Lourdes levantou seguidas vezes a saia se abanando e exibindo tudo o que havia por debaixo.
- Isso agora me deu até calor – comentou ainda rindo muito – Estou adorando.
- É, mas a galera aqui não está satisfeita com a nossa presença. Lá vem uma.
Era a tal mulher calva, incomodada com o gestual daquele levantar de saia.
- Senhora – reclamou – Tenha compostura. Aqui é um ambiente familiar.
- Mas, o que é que eu estou fazendo?
- Levantando a saia e mostrando a calcinha. Isso não é jeito de se comportar.
- Calcinha? Mas eu não uso calcinha. Isso aqui é uma calçola de lycra.
- Por favor. Não queiram anarquizar com o nosso baile. Olha a sua idade.
Dito isso, retornou espumando. Ficamos pasmos com a intervenção hostil.
Maria Regina não quis mais saber de conversa:
- Vamos embora, mamãe. Não quero confusões com essa gente. Logo você volta para o Rio e nós ficamos. Somos moradores, esqueceu?
Deixamos o clube para alívio de vários presentes, bem na hora em que tocava “String of pearls” (Jerry Gray).
Nosso sábado foi dedicado às fotos. Tiramos muitas no bosque. Também com o rapaz “vitrine viva”, todo pintado de prata. Muita garotada na rua, carro de som avisando do show de Gleison Tulio no Bar Jarbinhas. A fogosa Heleninha apareceu de carro e nos levou até Teixeiras para desencavarmos, em vão, algum baile. Cheia de intenções comigo, sugeriu um passeio só eu e ela de tarde. Detalhes sobre isso, prefiro não comentar.
À noite, saborosa lasanha “Coccinella” do cozinheiro Xexeca.
Domingo, dia das mães. Fotos e brincadeiras com o pequeno Rafael. Um cozido de almoço com a presença do politizado Mario Augusto, eterno defensor do PSDB. Depois, bom descanso de tarde para o que viria. Vestimos nossas roupas de baile, passamos rímel de cabelo e fomos a pé até o baile no Cine Brasil.
No palco, uma cantora engravatada cantava música romântica, samba e forró, acompanhada por um guitarrista e um tecladista. Não tinha o mesmo glamour que o do Parque das Águas, mas estava bastante animado, muita gente jovem. Demos logo de cara com o “Anão Trifásico”, que estava ali só para apreciar. Chegou-se e apertou nossas mãos.
- Vocês são danados, hein? A dupla mais agitada que apareceu naquele clube.
Lourdes contou sobre o apelido que lhe pusera. Ele achou graça. Aprovou. Disse chamar-se Josué e reforçou a piada:
- Sou mesmo pequenininho, mas com uma alta voltagem danada.
Identifiquei na beira do palco o professor João com sua trupe já nos olhando de cara feia. Fiquei matutando sobre a situação e tive uma ideia para acabar com aquele clima. Peguei Lourdes e saímos bailando. Forcei uma barra até emparelharmos com o professor e sua dama do laquê. Toquei no ombro dele:
- Vamos trocar os pares? – sugeri.
Ele pareceu não gostar, mas teve que ceder. E Lourdes foi toda derretida para os seus braços. Minha nova dama quase suplicou:
- Olha... Não sei nada daqueles passos que vi vocês fazendo.
- Não se preocupe. O importante é sermos felizes.
Eu a conduzi pelo salão sem ousar qualquer novidade, mas atento à minha amiga que, com seu jeito gaiato de ser, falava sabe-se lá o que no ouvido do peruquento. Logo, já estavam os dois rindo, se entrosando. Veio um breve intervalo e a cantora engravatada avisou que, naquela noite, haveria a canga do Gleison Tulio.  Os dois casais se juntaram para conversar. O professor João tornara-se outro, irreconhecível, afável, sorridente, apertou minha mão e elogiou-me como dançarino. Ficamos o resto da noite na maior amizade.
E foi assim que tudo terminou bem, tudo ficou ótimo. A paz estava selada.  
Deixamos o Cine Brasil sem ouvir o tal cantor Gleison Tulio.
Tudo valeu a pena. Vivi uma semana bem divertida naquela cidade mineira.
Voltamos na segunda-feira para o Rio no apavorante carro-foguete do Ederson.
Depois disso, Lourdes vendeu o apartamento do Largo dos Leões e foi morar com o filho Manoel Francisco na praia de Boa Viagem, em Salvador.
Muito tempo se passou. Recentemente, recebi uma ligação surpresa da minha querida amiga.
- É o “Manoel” Beto?
- Lourdes! Quanto tempo! Que saudades! Como você está?
- Sempre maravilhosa e com oitentinha, meu amoooooooooorrrr.
- E sua vida aí na Bahia?
- Não moro mais lá, garoto. Estou agora em Viçosa. Arranjei um apartamento ótimo, espaçoso. Quero que você venha aqui para conhecer.
- Que legal! Perto da sua filha. E o neto Rafael?
- Está um homem feito, lindo.
Relembramos nossa aventura de anos atrás. Perguntei:
- E o que foi feito daquele professor? Ainda vive?
- O João “Espinhela Caída”? Aquele ali morreu.
- Morreu?
- Sim. Atropelado na estrada.
Apesar da má notícia, ela não segurou e soltou sua estridente gargalhada.

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