Vitórias e um fracasso em comércio informal



Eram tempos bicudos.
Propus a minha amiga Simone que inventássemos algo que aliviasse nossa situação financeira complicada.
“Vamos pra rua vender.”
“Vender o que?”
“Não sei. Qualquer coisa.”
Depois de um tempo de reflexão, propus que fabricássemos biscoitos amanteigados.
“Biscoitos? Não sei fazer biscoitos, Beto.”
“Mas você tem mão boa, Simone. Faz pães e bolos maravilhosos. Podemos aprender.”
Pesquisamos receitas, maneiras variadas de confeccioná-los e transformamos a pequena cozinha do apartamento dela no nosso louco laboratório.
Foram muitas as experimentações. Muitas fornadas deram errado.
Quando pegamos o jeito, inventamos combinações de sabores.
Muitas variações de misturas para os amanteigados: gergelim, amêndoas, conhaque, chocolate, doce de leite, passas ao rum...
O próximo passo foi o de criar formatos diferentes para os biscoitos, porque nos atrapalhávamos na hora de identificar as porções.
Comprei saquinhos plásticos, fitinhas coloridas para amarrá-los, etiquetas e uma cesta grande de vime. Montadas as embalagens e devidamente arrumadas na cesta, saímos pela feira hippie de Ipanema.
Nossa estratégia de vendas era a seguinte: para cada saquinho de biscoitos adquirido, o cliente escolhia uma canção e um cantor dentre vários relacionados num cardápio musical variado que lhe era oferecido.
Eu me esforçava em imitar Gal, Clementina, Bethânia, Adoniran, Caetano, Cauby, Tetê Espíndola, Timóteo e Dalva. Bem divertido fazer aquilo. Provocamos risos e conquistamos simpatias. O saldo não poderia ser melhor: além de vendermos quase tudo, conseguimos três lojas interessadas nos nossos biscoitos.
Duas vezes na semana, Simone visitava os clientes com novas fornadas.
Um dia ela me ligou para contar que ganhara de uma amiga quatro telhas.
“Telhas?”
“É. De pendurar na parede. Não tive coragem de recusar. Não sei o que faço com isso.”
Fui até lá para conferir. As peças tinham gravuras decalcadas com figuras de damas antigas envelhecidas.
“Coisas feias, hem, Simone?”
“Não tenho coragem de jogar fora.”
“Vamos vender então.”
Confiantes no nosso talento para vendas, vide o sucesso dos biscoitos, levamos as quatro telhas e as ajeitamos por sobre uma toalha xadrez, dessas de piquenique, no calçadão de Copacabana, bem de cara com um hotel.
Ali havia uma feirinha de artesanato.
Ficamos uma tarde inteira naquela função. As pessoas passavam, olhavam com desprezo e seguiam retas. Quase escurecendo, uma senhora com sua filha pela mão.
Pararam diante das nossas mercadorias e a mulher exclamou:
“Que coisa mais linda! Adorei! Quanto custa?”
“Cinquenta o par.”
“Ah... Eu vou levar pra botar na minha sala.”
Eu e Simone já nos animávamos, mas a garota repreendeu duramente a mãe:
“Você não vai levar essas porcarias aí não, né?”
“Mas, filha... São tão bonitos.”
“Fala sério. Isso é lixo.”
Olhamos com ódio para aquela diaba dos infernos.
“Querida... Imagine essas telhas naquele cantinho da sala, junto do sofá.”
“Imagino isso cobrindo telhado de favela. Que mau gosto.”
Embaraçada, a outra não sabia o que fazer.
“Puxa vida, filha. Eu gostei tanto.”
Fiz minha pressão:
“A menina é muito nova. Não entende de decoração.”
Sentindo-se desafiada, a pirralha reforçou:
“Coisa de gente porca. Se comprar isso, não falarei mais com a senhora.”
A mulher sorriu sem graça, fez um aceno com a cabeça e se afastaram.
Arrasados, alimentando ódio mortal pela menina, catamos depressa aquela tranqueira toda e despejamos tudo na primeira lixeira que encontramos.
“Não rolou. Voltemos aos biscoitos.”

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