As sedutoras


Após uma participação em programa da Rádio Nacional, um sujeito me abordou na saída do elevador, disse se chamar Fabrício e acabara de inaugurar uma casa noturna em Jacarepaguá. Queria dinamizar o novo espaço com variedades e me convidou para participar de uma noite destinada aos novos compositores.
Anotei o endereço e confirmei presença.
Era uma quinta-feira, seis da tarde, quando cheguei ao tal lugar. Não lembro direito o nome da casa. Era algo como Best Show ou Fest Show. Não sei.
Havia um salão comprido repleto de mesinhas para quatro lugares, um palco pequeno lá nos fundos, bar espelhado, banheiros amplos, atendentes, seguranças, som ambiente, iluminação indireta, toda infraestrutura de uma casa noturna, porém, se assemelhando mais com uma boate. Reparei nos desenhos exóticos das paredes, a bola espelhada e os spots de luz. Um bom número de pessoas circulando, Identifiquei alguns que estavam comigo na rádio e percebi que havia mais gente para cantar do que para assistir. Escolhi uma mesa de canto e esperei. Ao meu lado, sentou-se um jovem violonista de nome Luiz Henrique com sua namorada. Puxou papo:
“Será que o negócio aqui vai ser bom?”
“Espero que sim.”
“Você conhece o Fabrício?”
“Não. Ele veio falar comigo lá na Rádio Nacional. E você?”
“Também não conheço. Ele me chamou semana passada numa festa.”
Luiz Henrique disse que viera por interesse em divulgar suas composições. Ingressara naquela vida fazia bem pouco tempo e contava com o incentivo da família.
“Aliás, minha mãe e minhas tias acabam de chegar. Lá estão elas.”
Acenou para as três senhoras distintas que entravam. Vieram se sentar conosco.
Ele fez as apresentações:
“Beto. Essa é minha mãe Celeste, Tia Elide e Tia Norma.”
Enquanto eu as beijava, Fabrício, o dono da casa, veio avisar que os músicos já iriam passar o som e logo abririam os trabalhos.
“Vamos começar pontualmente às sete horas para acabarmos às nove. Tenho outro evento pra acontecer mais tarde aqui.”
E seguiu para o palco para coordenar tudo. As três senhoras analisavam tudo ao redor. Parecia ser a primeira vez que entravam num ambiente daqueles.
Iniciei um papo agradável sobre música com a mãe do rapaz, Dona Celeste. Viúva sacudida, senhora bonita, extremamente simpática, educada, de falar baixo.
Era bem diferente das irmãs. Tia Norma, vestida toda de negro, devia ser a mais velha. Jeito austero, olhar desconfiado, controlava tudo o que a outra irmã, Tia Elide, fazia ou dizia. Essa era uma gordinha espevitada, bem engraçada, riso solto. Foi logo dizendo:
“Hoje, quero arrumar um namorado no show do meu sobrinho.”
“Você não se enxerga não, velha assanhada?”, repreendeu Tia Norma.
Luiz Henrique avisou logo:
“Não é meu show, tia. É só uma participação.”
A gordinha acenou para o garçom, pedindo logo um chope sem colarinho. E a irmã severa no controle:
“Trate de se comportar, Elide. Nada de excessos.”
O anfitrião Fabrício foi ao microfone e apresentou a proposta da noite, um incentivo para novos talentos. Chamou logo ao palco uma mocinha muito encabulada, amiga dele para cantar uma composição de parceria dos dois.
A garota cantou uma, cantou outra. Depois ficaram numa rasgação de seda danada até ela cantar uma terceira. As tias se agitaram nas cadeiras.
“Afinal... Quantas músicas cada um vai poder cantar?”, questionou Dona Celeste.
A garota recebeu os aplausos e desceu para dar a vez a um compositor de Oswaldo Cruz. Este mandou apenas um partido alto.
Depois dele, vieram uns rapazes para tocar um bom chorinho.
Fabrício voltou ao microfone e fez um discurso longuíssimo para homenagear a próxima convidada que estivera um bom tempo entre a vida e a morte. A cantora em questão era uma senhora toda vamp, calça de couro justinha, cabeleira cor de uva que se descabelou para mandar um dramalhão de cortar os pulsos. Cantou mais duas de mesma temática e animação. E vieram as falácias.
Tia Norma, impaciente, levantou-se decidida a pressionar o dono da casa. Voltou com ares de vitoriosa:
“Falei com o homem, Celeste. Ele disse que tem uma lista de chamada, mas o Luiz não vai demorar muito pra cantar.”
“Assim espero”, suspirou a mãe do rapaz. “Estou morrendo de calor.”
“Disse a ele que não podemos ficar até tarde nesse lugar. Aliás, detestei isso aqui.”
“Deixa de ser chata, Norma”, provocou Tia Elide já entornando seu quinto chope. “Eu estou achando tudo ótimo. Já vejo até um sujeitinho olhando pra cá.”
“Você deve estar falando daquele pôster lá longe na parede.”
Eu já estava ciente de que me metera numa grande roubada. Certamente não cantaria ali, mas esperaria o jovem amigo se apresentar, para não ser deselegante com aquela família. O tempo foi correndo. Outros artistas subiram no palco para cantar. E muito blá-blá-blá aconteceu. Já eram praticamente dez horas quando o som falhou. Mexeram daqui, dali, trocaram cabos. A torcida do Luiz Henrique inconformada com aquilo. Quinze minutos de ansiedade até tudo se normalizar.
E o rapaz finalmente foi chamado. Cantou duas composições, uma delas falando de casuarinas e reflexos da lua em poças d’água na rua que dedicou para a namoradinha silenciosa que se derreteu toda com a homenagem.
Foi aplaudido efusivamente pelas suas fanzocas.
Levantei-me para falar com Fabrício, que se desculpou pelo atraso e trapalhadas. Aquilo era o início de coisas boas que ele pretendia fazer ali com programação diária e bem diversificada, variando de roda de choro a feijoada aos domingos com pagode.
“Estou reparando na sua decoração. Também funciona como danceteria?”
Ele pareceu se encabular, mas respondeu:
“Ah... Sim. Aqui eu promovo toda a semana uma festa de mulheres.”
“Festa de mulheres? Aquelas com strip-tease de homens?”
“Não. Boate de lésbicas.”
“Ah, é?”
“Sim. Todas as quintas-feiras.”
“Quintas? Então é hoje.”
“Por acaso é. Começa a partir das onze, daqui a pouco”, completou.
Desejei a ele boa sorte nos negócios e voltei para a mesa para me despedir.
Tia Elide bebia a saideira enquanto Luiz pagava a conta.
“Que bom que já vamos embora”, confessou Dona Celeste. “Estou acalorada.”
Nesse instante, Tia Norma observava os desenhos na parede.
“Vocês já repararam na decoração esquisita daqui? Que falta de gosto. Uns desenhos estranhos de mulheres nuas.”
“Isso é coisa de jovem. Arte moderna”, definiu a gorduchinha que virava o último gole.
Ela não queria ir embora. Reclamou:
“Não ficamos quase nada. Nem pude arrumar um namorado.”
“Pelo amor de Deus, Elide. Lugar horroroso. Nunca mais ponho os pés nesse pardieiro. Mas como tudo tem sua primeira vez... Mas aqui não volto.”
Luiz Henrique, agarrado ao violão e a namorada, sugeriu que eu acompanhasse sua mãe e tias de volta para a Tijuca no táxi.
Fomos para a rua. Todos os carros vinham cheios. Dona Celeste sacou do celular e ligou para um radiotaxi. Previsão de cinco a dez minutos de espera.
Enquanto aguardávamos, duas garotas passaram, lançaram olhares de curiosidade sobre as três senhoras e seguiram.
“Você viu, Celeste, os modos dessas moças?”
“E como se vestem! Roupa de homem.”
“No nosso tempo, as mocinhas eram delicadas.”
“A juventude perdeu a vaidade.”
Novamente as garotas passando. Uma delas analisou Tia Norma, mordiscou o lábio inferior e se fez ouvir:
“Adoro mulheres maduras.”
E seguiram caminho gargalhando. Tia Norma não gostou nada.
“Você ouviu isso, Celeste?”
“Não prestei atenção.”
“A mocinha disse um carinho pra você, Norma. Não seja chata.”
Tia Elide já estava pra lá de Bagdá.
“Não sei não. Achei muito esquisito. Devem estar drogadas.”
Um homem e uma mulher tiraram uma linhada das senhoras, comentaram qualquer coisa e atravessaram a rua rindo.
“Estamos com cara de palhaças? Por que riem?”
“Porque somos lindas, sedutoras”, brincou a irmã sapeca.
Perto de nós, a bilheteria com mulheres se formando. Num determinado momento, as três senhoras pareciam posicionadas naquela fila.
De repente, um carro lotado de rapazes passou devagar. Eles colocaram as cabeças para fora da janela e gritaram:
“Sapatonas velhas! Sapatonas velhas! Vão colar velcro hoje, não é, safadas?”
Aquilo aconteceu no exato momento em que o taxi pedido chegava. Elas se enfiaram pelo seu interior num desespero só, se atropelando, se acotovelando.
Sentei-me no banco ao lado do motorista constrangido sem dizer palavra, mas com uma baita vontade de rir. Dona Celeste emudecera. Tia Elide achava tudo divertido. Quanto a Tia Norma, quase chorando, disse:
“Já me xingaram de tudo nessa vida, mas de sapatão...”
“Relaxa, Norma”, finalizou a gorduchinha. “Tudo tem sua primeira vez.”

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