Noite de autógrafos e estrelas
Numa noite fria e estrelada de Ipanema, eu
e Simone Almeida bebíamos vinho na varanda do Alberico's quando um grupo de
adolescentes aflitas veio interromper nosso sossego. Chegaram e ficaram de pé praticamente
grudadas na gente, falando quase que aos berros, se agitando e esbarrando
constantemente na nossa mesa. Numa dessas esbarradas, minha caneca balançou e
parte do vinho derramou sobre a toalha. Eu as fuzilei com meu olhar contrariado.
Elas se desculparam.
Simone riu para mim, esperando que eu
desse um desconto. Adolescentes são assim mesmo. Observei a mais alta das garotas,
a de cabelos negros cacheados, talvez a mais velha e líder do grupo. Trazia um
cartão desses que se compram em papelaria com uma caneta esferográfica e dizia
para uma lourinha:
“Vai você lá.”
“Eu não. Vai você.”
“Por que eu? Você que inventou essa
estória.”
“Mas não quero ir.”
Novo esbarrão na nossa mesa e meu vinho se
derramando.
“Caramba”, reclamei. “Por que vocês não se
sentam, ou então fiquem para lá.”
A lourinha se desculpou e elas se
afastaram entre risinhos. Quis entender a razão daquele rebuliço. Logo entendi.
Lá dentro no restaurante, um elenco global jantava:
Hugo Carvana, Malu Mader, Zezé Motta,
Denis Carvalho, Marcos Paulo, Lutero Luiz e Lauro Corona, este último, o foco
principal da atenção delas.
Estavam em intervalo de gravação de Corpo
a Corpo, novela das oito do Gilberto Braga. Finalmente, os atores foram se
levantando para retomarem os trabalhos. O set de filmagem era ali bem perto, a
portaria de um prédio da Vieira Souto.
Na medida em que cada um ia saindo, era cercado
pelas jovens, que apresentavam o cartão para o autógrafo e tiravam fotos. Veio a
Zezé, a Malu com o Hugo, o Marcos Paulo com o Denis, o Lutero Luiz. Só restava o tão desejado Lauro Corona, que
não dava sinais de querer se levantar para sair.
E novamente as meninas agoniadas já se
grudando na nossa mesa e esbarrando na minha cadeira. Eram mais de dez garotas.
Segurei com firmeza minha caneca.
O jogo de empurra rolando:
“Vai a Tais.”
“Eu não. Vai você que é mais cara de pau.”
“Cara de pau é a Moniquinha.”
“Eu? Olha só quem fala.”
Uma irritação aquilo. Não aguentei.
Levantei, tomei o cartão da mão da garota.
“Me dá esse troço aqui.”
Fui direto lá dentro. O ator estava
sentado na cabeceira da mesa comprida concentrado na leitura de umas folhas de
papel. Devia ser o script.
“Com licença.”
Ele levantou o olhar sério por cima dos
óculos de grau sem se mexer um centímetro:
“Pois não?”
“Não quero lhe atrapalhar. Só vim deixar o
cartão das meninas lá fora que querem seu autógrafo.”
“Pode deixar aí”, disse sério. E voltou sua
atenção para o papel.
Cumprimentei com um menear de cabeça e vim
para fora. As garotas nervosíssimas.
“Ele deu o autógrafo? Ele assinou?”
“Calma, meninas. Ele vai assinar. Tenham
paciência.”
Os minutos que se passaram viraram horas
para elas.
Finalmente, ele se levantou e saiu,
passando por elas como uma bala. Não lhes deram chance de uma foto. Mas a
cartinha sobre a mesa já devia estar assinada por ele.
Correram para resgatá-la. A decepção. Ele
sequer tocara nela. Ignorara solenemente.
Simone indignou-se com aquilo.
“Nossa! Custava ele dar um autógrafo?”
“Fazer o que?”
“Dá vontade de ir atrás dele e exigir.”
A fisionomia das garotas se acendeu.
“Você faria isso, Simone?”
“Claro. Por que não? Se bem que preferia
um autógrafo do Fagundes ou do Neyzinho.”
Volta e meia, Simone se referia ao Ney
Matogrosso, de quem era fã incondicional.
Virei o último gole da caneca e decidi:
“Está bem. Vamos resolver isso.”
Pagamos a conta e saímos com aquela
garotada junto. Simone parecia uma tia de colégio ou chefe de tropa de
bandeirantes. Seguimos reto na direção dos refletores que iluminavam a portaria
de um edifício. Filmavam naquele momento uma cena onde a personagem da Zezé
Motta era barrada pelo zelador interpretado pelo Lutero Luiz. A novela abordava
a discriminação racial.
Muita gente ali aglomerada para ver a
gravação e o diretor gritando, pedindo silêncio. Cheguei perto de um técnico
que ajeitava uns cabos no chão e perguntei:
“Você sabe aonde eu encontro o Lauro
Corona?”
“Olha... Capaz dele estar ali no ônibus do
elenco.”
Havia um ônibus grande com a logomarca da
TV Globo. Eu me aproximei da porta justo no momento em que o galã saltava
ajeitando um casaco sobre os ombros.
Fiz a abordagem:
“Oi, Lauro. Você esqueceu o autógrafo no
cartão.”
“Desculpe, querido, mas não posso.”
“Mas é só dar uma rabiscada aqui e...”
“Com licença, estou trabalhando.”
Meteu-se depressa para dentro do cercado
do set.
Foi uma decepção dobrada para as meninas
quando lhes devolvi o cartão ainda sem a tão esperada assinatura. Pensei numa
forma de compensar aquele esforço:
“Olha... Tudo bem... Não pintou o
autógrafo dele, mas eu autografo para vocês.”
Simone não segurou o riso. As garotas se
dividiram entre a surpresa e o desprezo.
Uma delas, talvez a mais novinha do grupo,
foi insolente:
“Você autografar? Mas você... Você não é
ninguém.”
“Como assim? Ninguém?”
Amarrei a cara. Aquilo fora uma
indignidade. Ela tentou consertar:
“Eu quis dizer que você não é famoso.”
Peguei Simone pelo braço e disse:
“Eu e ela não somos famosos agora. Mas na
próxima novela, eu serei o Roque Santeiro e ela, a viúva Porcina.”
As meninas se entreolharam cheias de interrogações.
Estaria eu falando sério?
Um senhor que ouvia tudo e me analisava dos
pés a cabeça, intrometeu-se:
“Acho que estou reconhecendo você. Eu
nunca vejo TV, me desculpa. Mas poderia dar um autógrafo para minha filha? Ela,
com certeza, sabe.”
Sacou do bolso um pedaço de papel e me
entregou. Eu assinei.
Diante daquilo, as meninas não tiveram
mais dúvidas.
E me entregaram novamente o cartão, dessa
vez para eu e Simone autografarmos com direito a fotos. Outros vieram querendo
também.
Um pequeno tumulto que provocamos naquela
fria noite estrelada.
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