Uma estrela na madrugada
Há algum tempo, eu e Simone nos falávamos apenas por telefone. Estava saudoso dos nossos alegres encontros, com direito a vinho, pizza, música e as frases engraçadas colhidas do “Almanhaque” do Barão de Itararé.
Ela andava indisposta, dizia passar muito tempo deitada, não queria receber visitas nem revelar o mal que a fazia sofrer. Não falava de problemas.
Apenas garantia que, em breve, estaria em forma novamente.
"Sou uma fortaleza, esqueceu?"
Respeitei sua vontade.
Eu ligava três vezes na semana para contar-lhe sobre o meu dia-a-dia, detalhe de algum show, soltar um gracejo na tentativa de afastar o claro desânimo daquela que se intitulava líder do meu fã clube.
Por ocasião do falecimento do meu pai, ela me pediu milhões de desculpas por não ter comparecido ao velório. Compreensível.
Três exatos meses após esse meu drama familiar, o fatídico dia: 18 de junho de 2001.
Ao chegar da rua, senti uma estranha necessidade de ligar para ela. Corri para o telefone e teclei. Ninguém atendeu. Perto das onze horas da noite, repeti a ligação. Nada. Esperei um tempo para outra tentativa. Não atendia.
Deitei na rede da sala angustiado, intuindo que algo de ruim acontecera com Simone.
Com os olhos insones, observei através da janela, bem no meio da copa de duas mangueiras, um ponto de luz intenso no céu. Era uma estrela.
Imediatamente, um filme passou pela minha cabeça, lembranças do primeiro dia em que eu a conheci: passeios, piquenique em Grumari, as brincadeiras, as cantorias, nosso dueto no Clube Militar, onde cantamos “Este teu olhar” com “Promessas fiz”.
Lembrei a música da Rita Lee que ela adorava:
“Meu bem você me dá água na boca, vestindo fantasias, tirando a roupa molhada de suor de tanto a gente se beijar, de tanto imaginar loucuras...”
Saltei da rede, liguei o computador e digitei uma letra que me aflorou inteirinha. Seria uma música dedicada a ela. Assim que terminei, voltei para a rede.
Só adormeci quando tudo clareou e a luzinha do céu sumiu.
Acordei depois do meio-dia com o telefonema do amigo Flavio:
“Beto. Não tenho uma boa notícia pra te dar.”
Inexplicavelmente, respondi num ímpeto: “Eu já sei.”
Talvez para poupar os amigos do seu sofrimento, Simone se internara secretamente no Miguel Couto. Uma embolia pulmonar no meio da madrugada encerrara sua história.
Ela era assim. Evitava a tristeza e a morte. Só partilhava riso e alegria.
Acredito que ela tivesse alguma esperança de superar aquela dificuldade.
Não conseguiu. Fazer o que?
No mesmo instante em que ela partia, eu cumpria um desejo seu, que era de compor algo em sua homenagem. Inventei a letra que, depois de bem modificada, acabou se transformando na música “Estrela da Madrugada”, composta em parceria com meu talentoso amigo e instrumentista Abel Luiz.
Acho que ela teria gostado. Achou que gostou. Acho que gosta.
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