Casos de vestidos

          Foi numa tarde de sábado no Marcô de Santa Teresa que conheci Sonia B recusando o oferecimento de Leila, a vendedora das famosas camisetas do bondinho. Sentei-me ao seu lado, ela sorriu, encheu meu copo de cerveja e disse:
- Não sou de usar essas coisas. Tenho meu estilo. Faço a minha própria moda.
Ficamos camaradas e passamos a nos ver com frequência naquela roda de choro comandada pelo Trio Perigoso, cuja formação era Patrick Angello no violão de sete cordas, Domingos Oliveira no cavaco, Guilherme Dizzy no pandeiro e participação de Dudu Oliveira na flauta.
Um bom tempo depois, eu estava com Sonia B num brechó de Copacabana a fuçar roupas usadas. Meu interesse era mais de encontrar algum chapéu antigo, estiloso, algo diferente, mas, para homem, não havia quase nada ali. Só umas boinas sem graça e desbotados bonés de marca. No mais, acessórios femininos, bijuterias bregas, óculos horrorosos, bolsas, sapatos e pobres vestidinhos de alcinha. Foi num daqueles que me livrei de constrangimentos no carnaval do ano anterior. Eu tinha caído na conversa de um amigo e, na ida para a praia só de sunga e chinelo, aceitei espiarmos o Cordão da Bola Preta. Foi a pior coisa que fiz. Eu ali quase pelado. Depois de levar apalpadelas e tapas no traseiro, descobri um camelô na confusão a vender vestidinhos baratos. Comprei logo um azul e preto e me compus devidamente, até sairmos daquele inferno.
          Depois de revirar todo o brechó, Sonia B desencavou um vestido colorido, flores estampadas com cordinhas de amarrar nos ombros. Estava eufórica com a descoberta.
- Não é lindo? Esse ninguém mais tem. Adorei!
Fomos até a mocinha do caixa e eu reparei num amarelado vestido de noiva atrás dela. Contei que vira um daqueles num brechó de Ipanema. Era magnífico, coberto de pedrarias e cauda longuíssima. Minha amiga Simone estava comigo no dia. Arregalou os olhos assim que o viu e me confessou ser aquele um sonho irrealizado de anos. Seguro da simpatia conquistada pela dona do lugar com nosso espalhafato, disse:
- Não seja por isso. Vamos realizar seu sonho agora.
Com a autorização da mulher, fiz Simone vestir aquela maravilha, meti uma cartola na cabeça, um fraque que mal me cabia e saímos os dois para a calçada. O povo que passava, inclusive, um famoso ator global, aplaudiu.
- Sabe o que fiz do meu? Joguei fora – revelou Sonia B, enquanto pagava sua compra – Mas tem muita gente que guarda. Guarda para a vida toda. Eu hein?
Lembrei-me logo de G, um conhecido meu, obcecado pelo vestido de casamento da mãe, devidamente preservado dentro de uma caixa na parte superior do armário dela. Quando dava na veneta, nos momentos em que se via sozinho, ele retirava a caixa lá do alto, se vestia todo de véu e grinalda e se admirava ao espelho. Fico a imaginar a figura. Um sujeito baixinho, gordinho, peludo igual macaco, careca e vestido de noiva.
Até o dia em que a empregada da casa chegou da rua e deu flagrante. Tratou logo de contar para a patroa. Formou-se clima pesado e todos foram postos frente a frente para acareação. G, na maior cara de pau, contou o sucedido:
- Não foi bem assim, mamãe. Eu ia passando pelo quarto, quando uma ventania fez abrir a porta do armário e o vestido caiu lá de cima. Só fiz apará-lo no peito. Foi aí que a Maria entrou.
Maria, vinte anos de serviços prestados, foi posta na rua na hora, a maledicente.
          Sábado seguinte no Bar do Marcô, Sonia B estreou seu vestido florido. Estava lá toda exibida, toda orgulhosa da roupa que ninguém tinha igual, quando viu entrar uma mulher usando o mesmo vestido. Perplexidade.
As duas se olharam bem desconsertadas. Pensaram em fingir, mas não deu. Caíram na risada. Para descontrair, propus uma foto das gêmeas.
Elas se abraçaram, sorriram e, quando eu já ia bater, eis que surge Leila, a vendedora de camisetas dos bondinhos. E, para nosso espanto, por incrível que possa parecer, mas juro que é verdade, ela também usava o MESMO VESTIDO.
E se juntou com as duas para a foto.


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