A Recatada 2
Episódio 2: A lânguida caçadora.
Após dois dias, bem instalado no apartamento da minha amiga Lígia na Capital Federal, e já saindo com ela para uma noitada, uma ligação de alguém querendo falar comigo. Atendi e pasmei. Era lânguida Priscila, a que se dizia melhor amiga de minha namorada Joana Maria.
Após dois dias, bem instalado no apartamento da minha amiga Lígia na Capital Federal, e já saindo com ela para uma noitada, uma ligação de alguém querendo falar comigo. Atendi e pasmei. Era lânguida Priscila, a que se dizia melhor amiga de minha namorada Joana Maria.
- Como é que você me descobriu?
- Foi Dona Renata, sua futura sogra quem me deu o
telefone. Também estou por aqui.
- Aqui em Brasília?
- Sim. Na casa de uma prima no Lago Sul.
- Que coincidência. Veio a passeio assim como eu?
- Vim só pra te ver, pra ficarmos longe daqueles
chatos lá do Rio.
Apesar de não levar a sério o que ela me dizia, eu me
constrangi um pouco.
- Olha... Eu vou ter que desligar porque estamos de
saída.
- Vão pra onde? Quero ir também. Quero te ver ainda
hoje. Me diz.
- Olha... Eu não sei... A gente se fala noutra hora –
respondi embaraçado.
Lígia, penalizada com a insistência dela, tomou-me o
fone e soletrou o endereço para onde iríamos, uma comemoração de aniversário de
um amigo da Portobras. Desligou.
Do elevador para a garagem, contei sobre a respectiva
criatura:
- Não devia ter dito nada a ela, Lígia. Essa garota é
doida. Vive dando em cima de mim.
Lígia, figura humana adorável, divertida, mas de
personalidade forte, avisou logo:
- Deixa comigo. Se essa fulana começar de graça, dou
uns bifas nela.
Fizemos parada no famoso Bar Beirute para muitos
chopes e chegamos bastante alterados ao destino final, uma boate, reduto de
peemedebistas. Avistei logo na porta a impaciente Priscila, vestidinho branco
curto e decotado, pronta para matar.
Ligia passou direto por ela e foi falar com o
aniversariante.
- E aí? Que maluquice é essa, hein? – perguntei - Não
falou a sério, não é?
- Achei que tivesse sido clara ao telefone. Vim porque
quero ficar contigo. Sou maluca mesmo e só sossego quando conquisto meus
objetivos.
- Olha... Vamos entrar?
Entramos e nos sentamos na primeira mesa vaga que vimos.
Percorri com os olhos para tentar localizar Lígia, mas o ambiente estava cheio.
Lânguida Priscila acirrou ainda mais seu papo de conquista:
- Desculpe te falar, mas... Não sei como você aguenta
a pamonha da Joana Maria. Tão recatadinha, tão castazinha. Quer saber? Acho sua
namorada um atraso de vida.
- Puxa... Mal começamos o papo e você já partiu pro
ataque, hein? – ri.
- Não sou de perder tempo e digo logo o que penso. Gosto
dela, procuro ser sua melhor amiga, mas eu a acho atrasada pacas. Quando não
está de segredinhos com aquela bicha molenga, se gruda na enjoada da Mioko. Agora,
me responda... O que ela te dá? Já parou pra pensar?
- Bem... Numa coisa eu tenho que concordar. O
Fernandinho e aquela japonesinha insossa são duas malas sem alça que já
empataram meu romance o suficiente.
- Romance? Fala sério. Que romance você tem com aquela
boboca? Por acaso, ela já...
- Olha... Não estou a fim de falar da nossa intimidade
contigo.
- Tolinho. Eu posso te dar aquilo que ela não é capaz.
Sou muito mais mulher que ela.
Evitei responder. Acenei para um garçom, mas uma mão
forte surgiu de repente e agarrou a minha me puxando, me fazendo levantar. Era Lígia:
- O que está fazendo sentado aí, menino? Nossa mesa é
lá em cima.
Fui rebocado ao segundo piso com Priscila indo atrás
transtornada, sem saber como enfrentar o desprezo da outra. Eu tenso com o que se
desenrolava.
Sentamos numa mesa comprida cheia de gente, onde fui
apresentado a vários. Quando já ia me acomodando, Priscila, ao meu lado, preparou
novo ataque e se aproximou dengosa do meu ouvido para sussurrar algo.
Imediatamente a mão de Lígia veio mais uma vez interromper a ação da sedutora:
- Nada de ficarmos parados, parceiro! Vamos dançar!
Vamos dançar e beber muito!
Descemos e encaramos uns drinques coloridos, deliciosos,
daqueles que pegam fácil. Ri muito das caretas que Lígia fez ao sorver a bebida
pelo canudinho. Na pista cheia de gente, nos soltamos. Ela rodou, pulou, me
sacudiu. Apesar das contrariedades da vida, minha amiga, que no trabalho era
bastante séria, fora dele, procurava viver com alegria, se divertir, tirar
sarro das mais variadas situações.
- Você é impossível, sabia?
- Sou nada. Sou é muito possível – respondeu,
despenteando seu cabelo curtinho.
No piso superior, percebi Priscila nos olhando
furiosa.
- Diz aí... O que vou fazer com essa garota na minha
cola?
- Você está a fim de cornear sua namorada com a
pistoleira?
- Claro que não.
- Então fica frio. Sei bem como lidar com esse tipo.
Ela não vai lhe enfiar as garras.
Um bom tempo depois, Lígia sinalizou que cansara, já
tardava e o dia seguinte era de trabalho. Pedimos a conta. Ao ver nossa
atitude, Priscila, que há muito deixara a languidez de lado, veio contrariada e
cheia de cobranças:
- Jura que você está indo embora? Nem conversamos. Vai
me deixar aqui sozinha?
- Vamos logo, bonitão – interferiu Lígia, já me
arrastando para fora da boate – Vamos, se não quiser ser atacado por alguma
piranha. Aqui, é o que mais tem dando sopa.
Priscila não se deu por vencida e nos seguiu correndo,
quase aos tropeços pela rua. Ao alcançar nosso carro, meteu a mão na maçaneta
da porta traseira e, acintosamente, se refestelou no assento. Lígia não gostou
nada daquela atitude, virou-se para mim e disse com severidade:
- Beto. O que esta criatura está fazendo dentro do meu
carro?
- Quero ver você me tirar daqui à força– desafiou a
folgada.
- Beto – rebateu a motorista – Avise a esta sujeita
que temos destino certo que é a minha casa. Quero ver como ela vai se virar depois.
Lígia virou a chave na ignição, ligou o rádio e
começou a cantarolar a primeira música que reconheceu aos berros, em
escancarada provocação. Partimos pela rodovia. Clima pesado. Em poucos minutos,
a passageira inconveniente reclamou:
- Hei! Dá pra abaixar o som? Meus ouvidos vão
estourar.
Pra que... A outra não bobeou e jogou o volume do
rádio nas alturas. E cantou com mais força ainda. Finalmente chegamos ao
edifício da SQS 302. Atravessamos o portão automático, estacionamos e saltamos
os três. As travas do carro acionadas, fui logo sendo empurrado para o hall por
minha hospedeira.
Priscila, paralisada no meio da garagem, implorou:
- Não vão me levar em casa? O que custa? Vão me deixar
aqui?
Tentei argumentar, mas fui jogado dentro do elevador. Subimos.
- Sua amiguinha é uma piranha sem noção, viu? E ainda
se diz amiga da sua namorada.
- Que situação... O que vai ser dela, Lígia? E se a
gente...
- Nem pensar. Ela veio aqui por que quis. Atrevida. Agora,
que se vire.
Entramos no apartamento, minha amiga foi para o
quarto, depois atravessou a sala num pijama de bolinhas, bebeu água e
desejou-me boa noite, como se nada tivesse acontecido. Eu pensando em como
estaria a garota lá embaixo.
Mas, fazer o que? Resolvi deitar também.
Minutos depois, a campainha tocou. Era Priscila
desesperada.
- Por favor. Não me abandone. Me leva até a casa da
minha prima. Não sei sair daqui.
- Puxa... Não conheço nada em Brasília. Você sabe
chegar lá?
- Ah... Sei lá... A gente procura um ônibus, um taxi.
Sei explicar como se chega.
Uma voz vinda do corredor interferiu no apelo:
- Beto! Você não vai sair uma hora dessas sem carro
pra levar essa abusada até o Lago Sul. Ela, se quiser, que se ajeite aí no chão
da sala.
Fez-se um silêncio constrangedor. Indiquei o sofá e
ficamos ali nos olhando. Como me livrar daquele embaraço? De repente, vi a
porta do quarto de Lígia se abrindo e ela surgir no seu pijama de bolinhas, porém
com as chaves do carro na mão.
- Já vi que ela não vai sossegar. Tudo bem. Vamos
levar a biscateira até a casa da prima.
Atravessamos a cidade com a indesejável Priscila completamente
muda. O mesmo rádio nas alturas, o pé pisando fundo no acelerador e uns
ziguezagues, uns balanceios propositais para assustar. Atravessamos a ponte
sobre o lago como um raio e gritando:
- Uhuuuuuuuhhhhhh!!!!!!!!!
Chegamos rapidinho ao tal endereço, uma espetacular
mansão do Lago Sul.
A derrotada caçadora desembarcou enjoando, deixou
escapar um sussurrado “obrigado” e caminhou até o portão. No momento em que enfiava
a chave na fechadura, escutou alguém saltar do carro. Virou-se e viu a hostil
motorista vindo em sua direção. Recuou temerosa. Eu quieto, não me atreveria a interferir.
Lígia apoiou-se nas grades do portão da casa e disse:
- Ficou faltando uma coisa importante pra encerrar nossa
noite.
Arriou a calça do pijama de bolinhas e urinou com
vontade uma cachoeira que, por pouco, não molhou os pés da rival.
Um acinte.
Comentários