A maior cantora do Brasil
Recentemente, um amigo querido publicou em rede social
que assistira ao show de Fulana de Tal acrescentando: “Pra mim, ela é a maior
cantora do Brasil. Simples assim”.
Não achei nada simples. Ao contrário, bem complicado,
ainda mais nesses tempos de radicalismo onde é comum se fechar uma questão com
um “simples assim”.
Meditei sobre quais seriam os requisitos para se
qualificar uma artista como “a maior cantora do Brasil”. A explicação do amigo
é que, além do timbre, afinação, limpidez vocal, Fulana de Tal tem presença de
palco e produção impecável. Tudo bem. Salve ela.
Fui direto ao Youtube assistir seus vídeos esperando
quedar-me de paixão. Não foi o que aconteceu. Conclui: mais uma jovem cantora,
como tantas que estão por aí, de voz bem colocada, graciosa no cantar e que,
talvez, como algumas, tenha a sorte de ser rica para bancar bom empresário e
refinados produtos.
Mas daí, dizer que é a maior cantora do Brasil...
Logo depois, recebi a notícia de que Maria Bethânia
ganhara mais uma vez o prêmio de melhor da MPB. Cantora extraordinária, reconhecida
pela qualidade do trabalho, mantém prestígio conquistado quando veio substituir
Nara Leão, no polêmico show com Zé Keti e João do Vale, cantando Carcará.
Bethânia chega a ser uma entidade. Alcione, quase todo ano, ganha o de melhor
intérprete do samba. Ambas merecem. São hors concours. Impossível ouvi-las e
não pensar que são maiores que tudo.
Seria uma delas “A maior cantora do Brasil”? E aí?
Qual das duas? As duas? Empate?
Amo Elis Regina. A “Pimentinha” buscava a perfeição, era
irada. Em “Saudade do Brasil” num fôlego invejável, cantando e dançando, coisa
de se abismar. Depois que morreu, ganhou a alcunha de “Maior cantora do
Brasil”. Surgiram algumas discordâncias e uma enxurrada de novas cantoras
querendo ser Elis. Mas eis que surge Maria Rita.
Outras querem ser Clara Nunes. Chamada de “Guerreira”,
sofreu rejeição de muitos, que achavam que sua voz límpida, cristalina, não
combinava com o gênero musical por ela escolhido. Hoje é modelo para muitas
cantorazinhas.
E agora? Quem escolheremos? Clara ou Elis?
Muito se vasculha no baú de outra grande personalidade
da nossa cultura: Clementina de Jesus. Também conhecida como “Rainha Kelé”, a
ex-empregada doméstica, de voz peculiar, foi descoberta tardia. Merecia coroa e
título de nobreza.
Bibi Ferreira, no alto dos seus noventa anos, mantém
vozeirão impressionante e ainda fazendo shows. Não lhe dão o devido valor. Bibi
é soberana. Seria ela a maior?
E Gal Costa? Voz inconfundível. Muitos ainda a chamam
de absoluta. A “Fatal”.
A escolha da maior cantora do Brasil vai ficando mais
difícil com esses exemplos.
Lá fora, Rosa Passos, maravilhosa intérprete, é
endeusada. Aqui, não a conhecem.
Elza Soares, eleita no exterior como “A cantora do
século”, teve carreira de lutas e sem justa homenagem em nosso país. Marlene,
cujo título é “A Maior”, não é lembrada pelos meios de comunicação. A mídia nacional
prefere glorificar cantoras de axé como Beltrana que se acha a tal, ou premiar
Sicranitta como a melhor do ano.
Será esse um dos pré-requisitos para se alcançar o
título de maior cantora? Estar na mídia? E ser jovem, gostosa, ar de periguete,
ter extensão vocal absurda para berrar qual americana gospel num “The Voice”
desses de televisão?
Lembrei-me agora das irmãs Tetê e Alzira Espindola.
Vozes excepcionais. Essas são perfeitas no que fazem. E o que dizer das
cantoras de atitude como Ana Carolina, Cássia Eller, Zélia Duncan ou as de
vozes delicadas como Claudette Soares, Zezé Gonzaga, Doris Monteiro e Fernanda
Takai? Podem ambicionar título de maiores cantoras do Brasil?
Incluo também aquelas com quem já dividi palco, como
Joyce, Marisa Gata Mansa e Ademilde Fonseca, a “Rainha do Chorinho”.
Outro dia, vi Leny Andrade em entrevista à Angela Roro,
também grande intérprete. Leny cantou à capella “Rio” (Menescal e Bôscoli) sem escapar
um grau sequer da afinação. De arrepiar. Pensei comigo:
“Será ela a maior cantora do Brasil?”
E as surpreendentes Celia, Claudia e Leny Eversong?
E Dolores Duran, que foi fantástica crooner de baile?
E Marisa Monte impecável?
Uma amiga vem e me diz que, para ela, a sua preferida é Amélia Rabello. Um caro jornalista cita Maysa, Vanusa e Maria Alcina.
Uma amiga vem e me diz que, para ela, a sua preferida é Amélia Rabello. Um caro jornalista cita Maysa, Vanusa e Maria Alcina.
Atormentado pela questão, meus dedos resolvem percorrer
a sequência de Lps bem organizados na minha estante. São muitos. Passo por Zezé
Motta, Violeta Cavalcante, Trio Esperança, Simone, Rosita Gonzalez, Rita Lee, Quarteto
em Cy, Nora Ney, Marina, Maria Creusa, Leila Pinheiro, Lana Bittencourt, Jane
Duboc, Inezita Barroso, Hebe Camargo, Frenéticas, Fafá de Belém, Ellen de Lima,
Elba Ramalho, Claudia Barroso, Carmelia Alves e Aracy de Almeida, a preferida
de Noel.
Releio as passionais Dalva de Oliveira, Nana Caymmi e
Angela Maria. Examino um da Aurea Martins com o Luiz Eça. Preciosidade.
Escolho um disco que amo e o coloco para rodar. E
escuto a voz de Elizeth Cardoso cantando “a última esperança, a esperança
divina de amar em paz...”
Impossível não me emocionar. Elizeth é mesmo “Divina”.
Assim como nossas demais divas, a “Enluarada” está acima de qualquer rótulo,
qualquer titulação.
Inebriado com tamanha beleza, acabo me esquecendo do foco
desta tal matéria.
Ah... A Fulana de Tal.
Como é mesmo o nome dela?
Deixa pra lá. Que seja bem festejada como a maior
cantora do Brasil.
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