A reputação ilibada
Todo bom professor sabe que é inevitável a
popularidade trazida pelos anos no ofício. É muito comum serem abordados com
frequência na rua, em restaurantes, teatros por algum aluno querendo saudar seu
mestre. O caso que contarei agora se refere a um amigo, cujo nome não vou
revelar. Ele é um ser humano maravilhoso, muito querido por todos, idolatrado
por seus alunos, mas é tenso em demasia, sempre preocupado com sua integridade profissional.
É um homem comprido na estatura, fala alto, gesticula muito, conversa tocando
as duas mãos com as pontas dos dedos.
Pois bem... Com a chegada do Carnaval, consegui
convencê-lo a sair comigo, os dois vestidos de mulher no Bloco das Quengas, um
bloco que desfila pela Rua Mem de Sá, circunda a Praça da Cruz Vermelha e
termina nos Arcos da Lapa. Coloquei uma sainha azul curtinha, peitões e uma
peruca cor de cenoura, minha fantasia de “Beta Caroteno”. Já meu amigo apareceu
vestido numa camisola rosa e bolsa a tiracolo.
Porém, usava uma máscara de cabeça de mosquito fechada
com um bico longo que escondia completamente seu rosto. Logo entrou no clima do
carnaval, foi pulando, tomando sua cervejinha e comentando praticamente aos
berros sobre as figuras curiosas engraçadíssimas que passavam pela gente,
muitas drag queens. Num certo momento,
acabei reclamando da tal máscara que ele usava:
- Ah... Mas assim não tem graça. Tira isso aí, vai.
- Não. Deixa como está – respondeu – Desse jeito,
ninguém me reconhece.
Mal acabou de falar, um garotão passou, deu um tapinha
no ombro dele e disse:
- E aí, professor? O senhor por aqui? Que legal!
Ele mal conseguiu falar com o rapaz, que logo
desapareceu por dentro do bloco. Transtornado, virou-se pra mim, tocando as
mãos com as pontas dos dedos:
- Meu Deus! Como será que esse menino me reconheceu?
Ficou arrasado ao ver sua identidade revelada. Enjoou
de ficar ali. Não demorou nada. Partiu depressa querendo se livrar daquela
camisola, sonhando com a invisibilidade.
Dias depois, eu o encontrei vestido de vampiro, a
conhecida roupa do Conde Drácula, longa capa, dentes afiados, sangue escorrendo
pela boca, olhos enegrecidos em plena Banda de Ipanema. Estava igual pinto no
lixo, brincando muito, avançando nas pessoas como se fosse morder, falando
gracinhas para os travestis.
- Que tal estou? Será que alguém me reconhece?
- Não sei. Acho que não. Você está ótimo.
Nisso, apareceu um fotógrafo com uma poderosa máquina
digital, longa lente, coisa de profissional e saiu fotografando o alegre sanguessuga
que posou sozinho, comigo, com passantes ou abraçado a uma peluda Carmen
Miranda. Tirou muitas fotos e teve seus dados devidamente anotados. Ria muito.
Estava numa felicidade absoluta.
Quando quis saber o destino das tais imagens, o
fotógrafo respondeu:
- Estou fazendo uma matéria de revista sobre diversidade
sexual.
Ao ouvir aquilo, meu amigo vampiro corou, a euforia
carnavalesca se esvaiu e os dedos das suas mãos se tocaram com nervosismo. E
foi nesse gestual que ele comunicou ao sujeito que não sairia em matéria alguma,
que tinha um nome a zelar, que não queria ser taxado disso ou daquilo, que não permitiria
e ponto final. Reclamou, exigiu e fez o perplexo fotógrafo apagar foto por foto
através do visor da máquina.
Já ia recuperando a calma quando três rapazes bem
alegres cruzaram a Avenida Vieira Souto e gritaram de forma acintosa:
- Aí, professor! Quem diria, hein? O senhor na Banda!
E tá o maior gato!
Eram seus pupilos. Aquilo foi demais. O vampiro desmascarado
preferiu recolher-se ao seu castelo.
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