Mensagem de amor sob pressão




A primeira vez em que estive em Muriaé, foi para cantar num lugar chamado Primeiro Passo a convite de um amigo.  Naquele barzinho, na época o mais badalado, conheci as adoráveis irmãs Monica e Nanda Castro Mayrink.
No meu segundo retorno àquela cidade, elas me obrigaram a deixar o hotel para me hospedar na casa delas, onde conheci o divertido pai Tupiara, o gozador irmão Serginho e a amorosa mãe Maria Lúcia, conhecida por todos pelo apelido de Gaucha. Naquela casa, premiado com o carinho daquela gente, eu me senti mais um membro da família, um parente distante que era recebido com festa.
Minhas viagens à Muriaé tornaram-se constantes. Travava contato com pessoas interessantes, divertia-me nas noitadas a beber vinho e ouvir causos engraçados, adorava encerrar a noite comendo o podrão da praça.
A feira agropecuária do sete de setembro era uma festa.
Numa das minhas idas, levei o amigo Zé Luiz e duas garotas, Eliane e Cristina. Foram igualmente bem recebidos pela boa família. Mais um final de semana alegre e com muita comilança. Nanda e a mãe são cozinheiras de mão cheia.
Domingo de manhã, Cristina sugeriu que presenteássemos a matriarca dos Castro Mayrink com um mimo qualquer, como forma de agradecimento pela hospedagem. Compramos as passagens de volta ao Rio para o final da tarde e saímos pela cidade. Comércio todo fechado. Circulamos um bom tempo por suas ruas.
Perto do meio-dia, já desistindo da missão, passamos diante de uma loja florista, onde um senhor se preparava para cerrar as grades.
Corremos e pedimos que nos atendesse. Ele emburrou a cara, mas aceitou.
As meninas examinaram tudo e ficaram indecisas com os arranjos de rosas e suas variadas cores. Sugeri que as misturássemos. Concordaram.  
Rapidamente, o florista preparou o buquê. Pagamos.
Quando já íamos saindo, Cristina se lembrou:
- Ih! Temos que escrever um cartão.
- Verdade!
Voltamos ao sujeito trombudo que depositou na bancada uma pilha de cartõezinhos em branco e uma caneta. Cristina assumiu a responsabilidade da escrita. Tinha a letra toda redonda, toda bem feitinha, uma verdadeira obra de arte. Pegou um e começou:
- Bom... Vejamos... “Maria Lúcia”.
- Não. Chamar assim... Vai parecer carta de amiga dela.
- Está bem. “Dona Maria Lúcia”.
- “Dona”? Fica formal demais.
- “Querida tia”.
- Não gostei – reclamou Eliane.
- “Tia Gaúcha”.
- Pode ser. Mas, essa coisa de chamar de tia... Não fica bobo não?
Aquele nosso questionamento inicial já foi o suficiente para o homem bufar.
Cristina amassou o papel e pegou outro cartão.
- Vou deixar um espaço aqui em cima pra gente decidir depois. Vou continuar, tá?
- Ok.
- “Que essas flores representem o que nos vem ao coração...”
Zé Luiz criticou:
- O verbo representar... Acho esquisito. Representar, representou, representante...
O papelzinho foi destruído.
- E se escrevêssemos: “Que essas flores simbolizem...” – sugeri.
- Que tal “Que essas flores signifiquem o amor, o carinho...”? – propôs Zé.
Novo papelzinho amassado.
Eliane teve uma luz:
- Gente. É só escrever uma frase simples. “Que essas flores sejam...” – interrompeu a fala uns segundos e expressou uma dúvida – É “sejam” ou “sejem”?
Eu a fuzilei com o olhar.
- Francamente, Eliane! “Sejem”? Faça-me um favor.
O balconista irritado não aguentou mais aquilo.
Doido para fechar a loja e ir para casa almoçar, arrancou a caneta da mão da garota e, num novo cartãozinho, foi gritando a plenos pulmões e escrevendo palavra por palavra a mensagem que obrigatoriamente nós iríamos levar:
“Dona Maria Lúcia, tia Gaúcha querida. Que essas flores representem todo o carinho que gostaríamos de dar à senhora e à sua família. Vocês simbolizam o amor. Vocês significam muito pra gente. Sejam felizes. Um beijo no coração.”
Feito isso, nos botou corridos para fora dali.


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