Bichos fora do lugar



Comentei com uma tia que eu achara uma graça a calopsita no ombro de uma amiga em pleno carnaval na Praça São Salvador. Dias depois, essa tia veio me visitar trazendo uma gaiola grande com três agapornes. Disse ser presente de uma amiga e, sabendo que eu gostara do pássaro da amiga, resolveu repassá-los para mim.
“Isso aí não é calopsita.”
“Ah... É tudo a mesma coisa.”
Os bichos gritavam tanto, tanto, tanto... E a sujeirama que faziam?
Aceitei o inesperado presente, mas não aguentei dois dias.
Chamei Gerson, o zelador do meu prédio, e pedi que arrumasse quem os quisesse.
Depois me lembrei de ligar para o zoológico para doá-los. Tentativas infrutíferas.
Gerson levou os bichos embora.
No dia seguinte, acordei bem cedo com os agapornes gritando.
Achei que era pesadelo. Não era. Olhei pela janela da cozinha que dá para o térreo do edifício ao lado, a casa do porteiro habitado por gatos, cães, tartarugas e passarinhos.
E lá estava a gaiola com os agapornes gritando, seus gritos ecoando pelo pátio, subindo pelas paredes. Um inferno.
Bronqueei com Gerson. Ele me garantiu que resolveria a questão. Horas mais tarde, ele me informou que os bichinhos estavam de partida para Visconde de Mauá, onde seriam soltos em um viveiro. Fiquei feliz com a notícia. Destino bom teriam.
Na outra manhã, o ansiado silêncio. Fui até a janela da cozinha conferir. Continuavam lá os cachorros, os gatos, a tartaruga e... três estátuas negras.
Esfreguei os olhos sonolentos na tentativa de entender, até cair na real estupefato: os três agapornes haviam se transformado em três pinguins.
Chamei depressa o Gerson e o levei até a janela.
“Veja ali! Pinguins! Pinguins! O que isso significa?”
Ele coçou a cabeça e sorriu encabulado.
“Ah... O Seu Severino pegou ontem em Copacabana e resolveu criar.”
“Meu Deus! Não pode! Esse cara é maluco, é? Esses bichos vão morrer!”
“Eu avisei, mas ele diz que não tem problema. Comprou uma saca de sardinha e disse que vai jogar água neles o tempo todo.”
Minha revolta foi imensa.
“Vou denunciar esse cara. Vou ligar pro IBAMA, pra algum órgão responsável.”
Fiz muitas ligações sem sucesso. Entre as tentativas, corria até a janela para verificar a situação dos pinguins. Na medida em que o sol ia ocupando aquele pátio árido, os bichinhos recuavam para a sombra, enquanto evacuavam jatos brancos pelo chão. Os cachorros e gatos dormindo indiferentes a eles.
Finalmente, consegui falar com a Sociedade Protetora dos Animais. Anotaram o endereço, mas disseram não haver gente disponível para a visita imediata.
Resultado: dias após, quando um fiscal deles apareceu, os três pinguins já estavam devidamente mortos e enterrados nos fundos do prédio.
Fiquei desolado. Perguntei ao Gerson:
“E os agapornes? Pelo menos, estão vivos? Foram mandados para um viveiro?”
“Foram sim. Quer dizer, dois foram.”
“Dois? Como assim?”
“O Seu Severino deu um vacilo e um deles conseguiu fugir da gaiola.”
“Meu Deus! Esse Severino é um desastre de gente!”
Nos dias consecutivos, tive a impressão de ter ouvido o agaporne fujão cantando, até jurei tê-lo visto no telhado do prédio em frente.
Separado dos irmãozinhos, pagaria o preço sozinho por sua liberdade.
Para me consolar, preocupado com seu destino, levei ao pensamento a seguinte ideia:
“Se ele está cantando, é porque está feliz.”

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