Muitos nomes, tagarelices e a voz de um cantor


Nos tempos da minha garotice, a Avenida Brasil foi nosso religioso caminho para os muitos finais de semana na Ilha do Governador. 
Lá, éramos associados ao GIC – Governador Iate Clube, onde meu pai mantinha uma pequena lancha com motor vinte cavalos e capacidade para seis pessoas. Era vermelha e branca e possuía umas orelhinhas laterais que a faziam se assemelhar com a bat-lancha do famoso Homem-morcego.
Bem cedo, eu e meus irmãos nos acomodávamos no banco traseiro do fusca e, mal ganhávamos a rua, iniciávamos nossa brincadeira de papear como gente grande. Nossos pais na frente conversando coisas de adultos e nós os imitando. Olhávamos os letreiros, os outdoors da Avenida Brasil passando, imaginávamos que eram nomes de pessoas, amigos imaginários e assim tudo se dava:
- O Good-Year ligou ontem.
- O que ele queria?
- Chamar pra festa na casa do Luporini. Parece que o Pirelli e a Gelli vão também.
- To sabendo. Mas o Bob’s disse que as festas na casa do Luporini são chatas.
- Só vou se a Brastemp e a Shell forem.
No rádio, uma vinheta anunciava o Projeto Minerva, uma aula-rádio que, nos finais de semana, apresentava gêneros musicais diversos e um desfile de cantores e cantoras, grandes talentos da nossa música brasileira. 
Foi assim que ouvi pela primeira vez o Roberto Silva. 
Era um aprendizado. Muita música interessante eu escutava na casa de minha avó. Em casa, meus primeiros discos foram "Roberto Carlos em ritmo de aventura", "Elis Regina em pleno verão" e "Sérgio Mendes e Brasil 66". Fora isso, ainda eramos ligados nos nossos disquinhos coloridos com as estorinhas infantis.
Mas foi ouvindo o Projeto Minerva que conheci outros artistas, mais antigos, enquanto exercitávamos nossa tagarelice. Até que, num determinado momento, um cantor vinha nos fazer calar. 
Era uma voz curiosa, pequena, totalmente antagônica dos demais vozeirões como Francisco Alves, Carlos Galhardo, Sílvio Caldas, Orlando Silva e tantos outros. 
Era diferente e tão surpreendente que interrompia aquele nosso diálogo biruta.
Eu passei a adorar aquele cantor. Custei a aprender seu nome.
Ele cantava assim:
“Jura, jura, jura pelo Senhor,
Jura pela imagem da santa cruz
Do Redentor, pra ter valor a tua jura...”
A música era do compositor Sinhô.
Já o cantor... O cantor era o Mário Reis.
Mário Reis.
Logo eu me esqueceria de como se chamava, mas no domingo seguinte, já estava ansioso para ouvi-lo cantar de novo.
Como se chamava mesmo? Luiz? Márcio? Carlos? Marcos?
E os nomes nos outdoors passando. Tínhamos que ser rápidos para inventar nossa conversa.
- O Toddy  brigou com o Ovomaltine, sabia?
- Será que foi por causa do Nescau?
- Não. Foi porque o Ovomaltine disse que o Firestone namora a Gotinha da Esso.
E novamente o cantor era anunciado no rádio e cantava:
“Gosto que me enrosco de ouvir dizer que a parte mais fraca é a mulher...”.
Outra música do Sinhô.
Mário Reis, o cantor.
Mário Reis.
Eu custei a decorar aquele nome tão simples, mas a preocupação em memorizar aquele desfile de nomes estrangeiros, diferentes, exóticos, nomes de produtos dos anúncios que passavam pelas nossas vistas atrapalharam bastante. 
Era muito divertido brincar daquilo e ouvir aquele cantor, seu jeito de cantar baixinho e pausado. Imaginava ser a voz do Gepeto do Pinóquio.
Os anos se passaram. 
Eu comecei a cantar aqui e ali, conheci e dividi palco com gente interessante do meio musical como o Roberto Silva e fiquei sabendo de algumas histórias bem bacanas.
Certa vez, após um show do compositor Ivor Lancellotti, eu caminhava por Copacabana com Aurea Martins e Zezé Gonzaga cantarolando a introdução de “Ilusão à toa” (Johnny Alf) e fui surpreendido com uma revelação:
Zezé contou ser a compositora da vinheta de abertura do Projeto Minerva, aquele programa radiofônico que servia de fundo para nossas alegres incursões à Ilha do Governador, assim como gravou muitos daqueles disquinhos de estórias infantis que nós tanto gostávamos. Adorava ouvir "O Macaco e a Velha". Ela fazia a voz da velha.  Também reconheci sua voz em "Aladim e a Lâmpada Maravilhosa".
Lembro muito pouco do Projeto Minerva. 
Sei que ouvíamos Ataulfo Alves, Noel, a própria Zezé e tanta gente. 
Mas foi através desse programa domingueiro de rádio, durante nossa travessia de carro pela Avenida Brasil, buscando nomes engraçados nos letreiros, que conheci e passei a admirar a voz do Mário Reis. 
Um nome para nunca ser esquecido.

Comentários

Kadu Mauad disse…
Muito boa a crônica, Beto. Confesso que o final poderia ser mais arrebatante. Sei lá. Fica a provocação.

Grande beijo e abraço.
eu

PS: Na verdade, é de arrebatar a crônica. Deixe-a como está. Beijos.

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