A amiga da janela
O quintal do apartamento do Andaraí foi território inesquecível da minha infância e de minha irmã. Ali nós passávamos nossas melhores horas brincando, fazendo corridas de velocípedes e, nos dias de muito calor, tomávamos banho de borracha. Aquilo era uma festa. Naquele chão espalhávamos nossos brinquedos, alguns que me lembro, uns carrinhos maravilhosos que meu padrinho me trazia - hoje são peças de coleção - e aviões de madeira que davam trabalho enorme para se montar.
Tudo isso durava pouco em minhas mãos. Logo eram destruídos.
Eu arrancava as rodinhas dos carros, quebrava as asas dos aviões e rabiscava a cara de cada uma das bonecas da minha irmã.
No fundo do quintal havia uma bancada com instrumentos de marcenaria do meu pai. Sem que ele visse, nós nos apossávamos deles e transformávamos martelos, marreta e chaves de fenda em personagens. O pequeno serrote virava um jacaré. A tesoura era uma ave assassina. Era nosso teatro.
Mas não era um teatro sem plateia. Havia uma vizinha no prédio, uma menina que ficava diariamente a expiar nossas invenções da janela do seu quarto, um andar acima do quintal.
Era nossa amiguinha da janela.
Ela se divertia com o que fazíamos, morria de rir com nossas traquinagens, contava o seu dia-a-dia na escola. E mostrava suas bonecas. Tudo ali do alto da sua janela porque não podia descer para brincar conosco em nosso quintal.
A mãe não deixava. Era enérgica. E assim ela ficava por todo o tempo ali, os bracinhos cruzados a olhar a gente e a imaginar que também estava pisando naquele quintal.
De repente ouvia um chamado, um grito, mandava um beijo triste com a mãozinha e sumia lá para dentro.
Algumas vezes a vimos passar com a mãe pelo corredor, mas não tivemos nem a oportunidade de dar-lhe um abraço. As duas subiam ou desciam as escadas do prédio sempre na pressa.
Não recordo o seu nome. Talvez minha irmã saiba.
Lembro apenas dela naquela janela, os cabelos compridos e negros, laço na cabeça parecendo uma boneca a fazer um gesto de abraço e mandar seu beijo antes de sumir para dentro.
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