A velhinha da janela
Quase diariamente, meu trajeto pela
Rua Baltazar Lisboa era marcado pela troca de acenos com uma vovozinha de olhar
arregalado, protegida pelas grades de uma janela a observar os que passam. Ocupando
todo o batente, quase amontoados, bichinhos de louça - cães, gatos, galinhas,
vacas, tartarugas, sapos, coelhos - alguns com cabeças balançantes, a dividirem
com ela aquela função de vigilância. Certa vez, quis trocar palavras com a
curiosa senhora, perguntar-lhe se tudo ia bem. Ela esbugalhou mais os olhos e me
respondeu através de frases incompreensíveis. Em seguida, despejou uma coleção de palavrões. Entendi que não estava com
seu juízo em estado perfeito. Sendo assim, nosso relacionamento seguiu como
sempre, reservado aos tchauzinhos e sorrisos até o dia em que cai doente.
Fiquei fora de combate por um bom tempo. Quatro meses. Vencida a doença,
retomei meus hábitos, minhas saídas. Ao passar pela rua, a surpresa: a janela
fechada.
Dias se
seguiram assim.
Resolvi
perguntar ao zelador do prédio ao lado e ele me deu a resposta que eu já
imaginava. Agora, todos os dias, passo por ali e me dou conta da ausência da minha
senil amiga.
Porém, no
canto direito daquela janela fechada, esquecido, ainda há um cachorrinho de
louça.
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