Homero e eu
Completa hoje uma semana do adeus ao
compositor Homero Ferreira, autor da famosa marchinha carnavalesca “Me dá um
dinheiro aí”, composta em parceria com seus dois irmãos Glauco e Ivan. Eu o
conheci numa das muitas serestas lá de casa, onde muitos bambas participavam, músicos
como Zé Paulo, Vivinho do Trompete, os irmãos Moura e, vez por outra, o Braguinha.
Homero me surpreendeu na piscina mandando “Siri recheado e o cacete” (João
Bosco – Aldir Blanc). Gostou da minha voz e se impressionou por me ver dizer
letra tão extensa. Chegou junto do meu pai para elogiar:
-
Vocês têm um artista em casa. Vou levar pra cantar na rádio.
E,
na semana seguinte, me intimou a acompanhá-lo ao programa do Adelson Alves, na
época, na Rádio Globo, ali na Glória. Aceitei,
mas fui morrendo de medo, suando muito, tremendo, porque não sabia nem o que
iria cantar.
Ele
então disse:
-
Canta aquela do Gonzaguinha, o “Começaria tudo outra vez”. Vai ficar ótima na
sua voz.
-
Mas não demos nem uma passadinha, nem pra pegar o tom.
-
Fica tranquilo. Vai ser na hora, no susto.
E
foi assim que se deu. No susto. Comecei acanhado, mas quando percebi que dominaria
todas as notas, relaxei. E foi tudo uma maravilha. O dedilhar firme dele no
violão me deu segurança. Ouvi muitas vezes aquele momento gravado em cassete.
Depois, a fita se perdeu. Só sei que, depois daquilo, comecei minha jornada pelos
programas radiofônicos, como o do Sergio Henriques da FM O Dia, nas madrugadas
de domingo, onde conheci muita gente boa e fui incluído em shows em clubes com
artistas dos tais programas. Em 2000, fiz com Homero um lindo show numa casa
noturna do sambista Noca da Portela, no Engenho de Dentro.
Numa
tarde de confusões idiomáticas na Casa d’Itália, ele dividiu o palco comigo, onde
eu arrisquei um francês ainda precário para entoar “Rose de Picardie”, sucesso
do Yves Montand. Sem me dar conta, nós tínhamos iniciado uma parceria que durou
alguns anos ainda. Em 2000, passamos a animar juntos uns saraus que aconteciam todas
as terças e sextas no Clube Militar Centro e Lagoa, respectivamente, com
entrada franca. Um happy hour das 19h até 23h. Esse trabalho durou uns quatro
anos e pouco. Vivemos momentos bem divertidos ali, outros nem tanto. Uma vez ele me surpreendeu ao aparecer com um violão todo moderno, vermelho, pequeno, braço curtinho. Comentei sobre ele com a Leila Pinheiro e ela me revelou que o conhecera num festival em Belo Horizonte:
- É um senhorzinho, cabelo branquinho, com um violão engraçado, não é?
Um dia, ele vendeu o apartamento da Tijuca e se mudou para o Recreio dos Bandeirantes, o que restringiu nosso contato ao telefone. Numa das nossas ligações, ele me disse que preparava um cd e queria que eu gravasse a música dele que eu mais amo “Essa tal de saudade”. Aquela composição o deixava melancólico, deprimido, porque trazia a lembrança da perda do irmão Glauco. Mas ele estava decidido a superar aquilo. Iria gravar.
- É um senhorzinho, cabelo branquinho, com um violão engraçado, não é?
Um dia, ele vendeu o apartamento da Tijuca e se mudou para o Recreio dos Bandeirantes, o que restringiu nosso contato ao telefone. Numa das nossas ligações, ele me disse que preparava um cd e queria que eu gravasse a música dele que eu mais amo “Essa tal de saudade”. Aquela composição o deixava melancólico, deprimido, porque trazia a lembrança da perda do irmão Glauco. Mas ele estava decidido a superar aquilo. Iria gravar.
Não
aconteceu.
A
última vez que o vi foi pela televisão recebendo o prêmio do Primeiro Concurso
de Marchinhas da Fundição Progresso pela “Marcha do Viagra”, que há anos ele
tentava divulgar, gravada em cd pelo humorista Tutuca. Homero não soube que eu
me inscrevera também naquele concurso com duas composições minhas em parceria
com Patrick Angello. Não fomos classificados. Lamento não ter estado mais com
ele. A vida da gente é assim, cheia de encontros, desencontros e desculpas. Mas
sei que ele gostava de mim e me ajudou muito.
Muitas
homenagens foram prestadas a ele. Eu rendo aqui as minhas. Grande amigo,
excepcional compositor e apaixonado por jogo de xadrez que, durante anos,
competia por correspondência. Lamento que tenha ficado conhecido apenas por
suas marchinhas. Mas era autor de maravilhas românticas que embalaram muitas
serestas, como “Marcas do Passado”, sua preferida. Ele sonhava vê-la consagrada,
gravada por algum grande nome da MPB.
Às
vésperas de mais um carnaval em momento de crise geral no Brasil, fico aqui a
fantasiar o reencontro do Homero Ferreira com seus dois irmãos queridos Ivan e
Glauco. E de lá de onde quer que estejam, abraçados, entoem num grito:
“Hei,
você aí! Me dá um dinheiro aí! Me dá um dinheiro aí!”
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