Meus avós
Não
conheci meu avô paterno. Faleceu antes do meu nascimento, antes mesmo do
casamento dos meus pais. Chamava-se Duílio Caratori, era tintureiro, austero,
calado, vivia para o trabalho. Mas dizem que teria sido um bom avô. Já o outro,
pai de minha mãe, convivemos muito pouco com ele. Morava numa chácara escura
cheia de plantas e cachorros em Jacarepaguá. Nós o víamos às vezes no Natal.
Vinha, entregava presentes, nos beijava, sempre se atrapalhando com nossos
nomes, e ia embora rápido. Eugenio era funcionário da rede ferroviária e
compositor de músicas românticas. Era amigo do Lamartine Babo, da Carmen
Miranda, do Ary e de tanta gente. Viveu por mais de quatro décadas em
Jacarepaguá na companhia de Dora, mulher de temperamento forte que se foi antes
dele. Anos depois, sozinho, foi encontrado no sofá com o braço estendido na
direção do telefone. Enfarto.
Minha avó
Nadina nunca se conformou com a separação acontecida quando minha mãe tinha
apenas treze anos. Não sei se esta foi a razão dela ter se tornado uma pessoa de
difícil trato, sempre amargurada, se queixando da vida, da saúde, de tudo. Era comum
encontrá-la deprimida no sofá se queixando de palpitações, rouca. Mas bastava
puxar assunto do seu passado distante de menina, para ela mudar o astral.
Adorava falar do seu pai Alexandre, um homem culto que tinha até cadeira cativa
no Teatro Municipal. Foi graças à paixão dele por operetas que ela recebeu o
nome de Nadina, personagem principal de “A Menina do Chocolate”.
Ela poderia
ter sido uma grande cantora com sua voz de soprano. Em raros momentos de
contentamento, cantava sambas, choros, sambas-canções, músicas de dor de
cotovelo de maneira primorosa. Ela e meu avô chegaram a gravar um disco. Foi na
casa dela que descobri Elizetho, Cyro Monteiro, Angela Maria e Dalva de
Oliveira.
Morreu
dormindo aos oitenta e seis anos.
Já minha
avó paterna, totalmente o oposto. Alegre, simples, humilde. Chamava-se Julia
Caratori, mas todos a conheciam como Vó Anita, uma alteração curiosa do
chamamento do seu nome: Dona Julia, Dona Julita, Dona Lita, Dona Anita...
Virou
Vovó Anita.
Artista maravilhosa,
mas na arte de fazer bolos. Eu me lembro dela confeitando um todo de degraus.
Ficava ali encantada, preparando, confeitando, manuseando a bisnaga do creme
que saía e se enrodilhava, caracolava as beiradas. Eram bolos para casamentos,
aniversários, batizados... E quando alguém vinha buscar, minha avó chegava ao
exagero de acompanhar sua obra por duas quadras, recomendando cuidados no
transporte. Uma vez, substituiu uma madrinha num casamento, interessada na
reação dos degustadores. Voltou envaidecida com os elogios.
No tempo
em que meu pai era auditor de banco e viajava com frequência com minha mãe, eu
e meus irmãos ficávamos sob seus cuidados. E tudo virava alegria, festa. Ela
virava criança. Vestíamos suas roupas, pintávamos seu rosto, corríamos pela
casa, brincávamos de cabra-cega, implicávamos com os que passam lá embaixo na
rua. Ela participando de tudo. Era cúmplice nas nossas traquinagens.
Não entendi
o dia em que Vó Anita adoeceu e foi internada. Soube que teve alguns momentos
de coma. Fui visitá-la no hospital. Estava bem magrinha, me olhava fixamente,
não dizia nada. Levamos um pote de morangos, que ela mastigou com gosto. Ouvi
meu pai falar que o médico liberara qualquer alimento que quisesse. Não havia mais
o que fazer. Dias antes dela nos deixar para sempre, foi levada de volta para
casa. Era meu aniversário. Mesmo sem forças, reclamou a ausência de um bolo pra
mim. Minha mãe comprou uma pequena torta na padaria e a pusemos aos pés de sua
cama. Fiquei ali diante dela, ela batendo suas mãozinhas, a família pelos dois
lados, minhas tias saindo para chorar.
Muita
saudade dessas minhas avós.
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