Entrevista ao Canal + Arte


Entrevista com Beto Caratori
          O cantor retorna pela oitava vez ao palco do Centro Municipal de Referência da Música Carioca Artur da Távola com um show comemorativo. Por cinco anos, Beto levou um projeto que contava a história do “Poeta da Vila” Noel Rosa, apresentado em sindicato de professores, escolas, na comunidade do Alemão e duas vezes no Forte de Copacabana. Depois disso, veio o show “Cantando Estórias”, com músicas que são crônicas urbanas e rurais. Para este, o cantor nos concedeu uma entrevista onde revela o que irá apresentar, fala da sua experiência musical e de seus futuros projetos.
CANAL + ARTE – Beto, você tem dito que o próximo trabalho não tem nada de simples. Terá uma importância especial. Fale sobre esse show.
BETO CARATORI – Primeiramente, eu quero agradecer ao Canal + Arte pela oportunidade em me divulgar, assim como tem feito com brilhantismo com outros artistas. Muito obrigado. Também quero agradecer ao Rubens Kurin, diretor do Centro Municipal de Referência da Música Carioca Artur da Távola. Foi ele quem me ofereceu a data, que acontecerá bem no meio da semana, onde o espaço faz louvor a um dos mais representativos gêneros cariocas: o choro.
CANAL + ARTE – Então será um show sobre choro?
BETO CARATORI – Não. Não. Vou oferecer uma noite de MPB temperada de samba-canção, pop, bossa nova, sambas clássicos, frevo e, claro, aquela pitada de choro, ingrediente que não poderia faltar. Vai ser bacana.
CANAL + ARTE – Essas variações... Um desafio para roteirizar, não é?
BETO CARATORI – Bota desafio nisso. Quando você acha que já definiu tudo, se lembra de determinada canção marcante. Aí, é correr para o computador e tentar encaixar, remanejar, colocar no lugar de outra, sem provocar desajustes com aquelas dos convidados. O roteiro se definiu. Agora, salve-se quem puder.
CANAL + ARTE – Fale dos músicos. Quem irá lhe acompanhar?
BETO CARATORI – Estarão comigo, o violonista Patrick Angello - responsável pelos arranjos e direção musical - e o percussionista Pedrinho Moita. Eu os conheço de novinhos, de quando tocavam em rodas de choro. Viraram esses virtuoses e, o melhor, são amigos queridos, meus irmãos. O Tomaz Retz foi escolhido para se agregar ao grupo, porque é habilidoso flautista e um cara sensível, do bem. Sou um privilegiado.
CANAL + ARTE – Você pode revelar quem são esses convidados?
BETO CARATORI – Eu chamei a graciosa Fernanda Misailidis, uma princesa. Ela dança, interpreta e canta lindamente. Participei da sua primeira apresentação, e agora estou retribuindo o convite.  Outra presença feliz é a do Cleiton Sobreira. Também jovem e iniciante na carreira solo, tem carisma e é dono de voz poderosa. Eu prometi que o convidaria para participar de um show meu. Promessa cumprida. Vai ser um arraso.
CANAL + ARTE – Mas eles não serão as únicas participações especiais, não é? Há mais gente. Você não quer acabar logo com esse mistério?
BETO CARATORI – Vou segurar a língua? (Rsrs). Prefiro manter o segredo e surpreender o público. Mas garanto que são artistas de primeira grandeza, afinal, festejarei três décadas de cantoria.
CANAL + ARTE – Você falou em trinta anos. É isso mesmo?
BETO CARATORI – Eu poderia dizer que comecei a cantar com dois anos? (Rsrs) Foi quase isso. (Rsrs). Bom... Se eu considerar a partir da minha primeira audição diante de uma enorme plateia, será um pouquinho além desse tempo. Foi no auditório do Colégio Militar Tijuca. Mas se eu contar do momento em que cantei com cobrança de couvert, aí dá um pouquinho menos. Então, ficamos em torno de trinta. São muitas contagens. A primeira canja, o primeiro show, a primeira ida a um programa de rádio...
CANAL + ARTE – Você participou de rádio? Que legal! Como aconteceu?
BETO CARATORI – Uma vez, numa das muitas serestas lá de casa, o compositor Homero Ferreira me descobriu e tratou logo de me levar pra cantar no Adelson Alves, na Rádio Globo.
CANAL + ARTE – Lembra qual foi a música?
BETO CARATORI - “Começaria tudo outra vez” do Gonzaguinha.
CANAL + ARTE – Bela escolha.
BETO CARATORI – Aquilo ali abriu portas para shows em clubes e outras rádios, como a FM O Dia. Nessa, também com o Homero, participei do programa do apresentador Sergio Henriques, com a presença do conjunto Os Devaneios e dos cantores Elymar Santos e Waleska. Anos depois, tornei a estar com o Adelson, mas desta vez, na Rádio MEC e fiz uma série de programas na Rádio Nacional, inclusive um especial só comigo.
CANAL + ARTE – Um programa só com Beto Caratori?
BETO CARATORI – Sim. Com apresentação do Cristiano Menezes e Rubens Confete. Foi uma delícia fazer. Havia o auditório e também as ligações dos ouvintes.
CANAL + ARTE – Esbarrou em algum famoso por lá?
BETO CARATORI - Na Nacional, tive a alegria de conhecer artistas fantásticos como Ademilde Fonseca, Jorge Goulart, Carmélia Alves, Raul Sampaio, Marlene, Jerry Adriani, Roberto Luna, Ataulfo Alves Junior e tantos outros. Pena que somos um país desinformado e sem memória. Uma vez, numa homenagem ao finado cantor Orlando Silva, antes de começarmos, surgiu uma equipe de TV - que não vou dizer qual – e a repórter novinha, bonitinha, veio toda elétrica, ajeitando o cabelo, perguntar ao cast de cantores: “Qual de vocês é o Orlando Silva? Ele já chegou?”
CANAL + ARTE – Totalmente sem noção. (Rsrsrs)
BETO CARATORI – Pois é... Adorei participar disso. Rádio, até hoje, me fascina. Eu, menino, acompanhava o Projeto Minerva, só pra ouvir a curiosa voz do Mário Reis. E havia o humorístico “A Impecável Maré Mansa”. Na ida pra escola de carro, a gente ouvia Haroldo de Andrade, “Patrulha da Cidade” e radionovela. Não faz muito tempo, montei um espetáculo no teatro da Aliança Francesa Botafogo, onde o cenário era um estúdio de rádio e o elenco atuava numa engraçada radionovela. Texto meu cheio de expressões tipicamente brasileiras, mas traduzidas ao pé da letra para o francês. A plateia se escangalhava de rir.
CANAL + ARTE – Rádio estimula o imaginário. Tem o livro do Paulo Perdigão que conta a história da PRK-30, uma série de programas sensacionais. Os caras inventavam tudo.
BETO CARATORI – Sim. Essas coisas me incentivaram a fazer curso de locução e eu cheguei a atuar como dublador de filmes e seriados. Também fui, por um tempo, comentarista de assuntos do dia-a-dia, num programa de debates comandado pela radialista Eliete Beleza.
CANAL + ARTE – Vamos ficar no campo da música. Quero saber das suas influências.
BETO CARATORI – Rapaz... Minha mãe é contralto e impressiona. Herdou esse dom da mãe dela, minha avó, que cantava enrolando o “erre” igual Carmen Miranda. Já meu pai, o trompete era sua paixão.
CANAL + ARTE – Você nasceu com melodia na veia. Não teve como fugir.
BETO CARATORI – Na minha garotice, eu escutava de tudo e me influenciava. Na casa da minha avó, eu ouvia a turma da Jovem Guarda, Angela Maria e Dalva. Em casa, meus pais curtiam Simonal, Milton Banana, Claudette Soares, Nat King Cole... E eu me fechava no quarto com meu toca-discos para ouvir “Elis - em pleno verão”, “Sergio Mendes e Brasil 66” e um compacto simples com o Roberto Carlos na capa pilotando helicóptero. Isso antes de Chico, Milton, Caetano, Gal, Bethânia, Djavan, Rita, João Bosco...
CANAL + ARTE – Então você é do tempo da vitrola? (Rsrs)
BETO CARATORI – Sou. E também do toca-fitas. (Rs) Nas viagens pra Angra dos Reis, íamos ouvindo as fitas do Tim Maia, Carole King  e Eydie Gormé & Trio Los Panchos. Dava ódio quando a fita prendia e você tinha que puxar aquilo, tudo esmigalhado.
CANAL + ARTE – Pelo o que você conta, ouvia poucas internacionais.
BETO CARATORI – Não. Também Beatles, Simon & Garfunkel, Michael Jackson, Steve Wonder e Era Disco. Sempre. Também música clássica e outros instrumentais como “Mr. Sax” (Bob Fleming, vulgo Moacir Silva). No Natal é que - ainda não havia a Simone - “A Harpa e a Cristandade” do Luis Bordón predominava junto com Aeroporto. Sinceramente... Detesto Natal.
CANAL + ARTE – E o samba? Nada de samba? Nada de carnaval?
BETO CARATORI – De carnaval, comecei a me ligar em marchinhas, por causa das visitas que fazíamos ao Braguinha, quando ele ainda morava na Tijuca, e o disco “Big Banda do Canecão” fazia nosso bailinho domiciliar. Quanto ao samba, tínhamos os de sambas-enredo, o primeiro do Martinho da Vila, com sua levada mais lenta, e o outro, o meu preferido, que é o “Canta, canta, minha gente”. Eu me fascinei com o “Elza & Miltinho” e com o “Bossaudade” da Elizeth Cardoso, Cyro Monteiro e o regional do Caçulinha, pelo jeito descontraído deles cantarem o samba em dupla. Quando a Alcione entrou lá em casa, foi um abalo nas estruturas. Beth e Pedrinho Rodrigues não ficaram atrás. Mais tarde, descobri a docilidade de se cantar samba na voz da Clara. E assim foi. Eu ia absorvendo tudo, minha caixinha craniana de música se enchendo.
CANAL + ARTE – Foi daí que desabrochou o sambista Beto Caratori?
BETO CARATORI – Alguns me classificam assim. Adoro samba, mas não me considero como tal. Canto a música popular brasileira. O que aconteceu foi que, começaram a pintar temporadas em bares, numa época onde se requisitava bastante cantor de samba e grupos de choro. E aí, você vai seguindo aquela linha, uma linha puxa a outra...
CANAL + ARTE – Bares da Lapa?
BETO CARATORI – Também. Nessa época, pelos anos noventa, conheci a Aurea Martins, quando cantávamos na entrega da Medalha Pedro Ernesto ao querido Nelson Sargento, na Câmara dos Vereadores. É nossa fada madrinha e me fascino com o jeito visceral como interpreta. Tenho a sorte de estar com cantoras espetaculares como ela, a Luíza Dionízio, a Fátima Guedes e outras que não dá pra ficar citando aqui, pra não cometer a falha do esquecimento. São generosas, acolhedoras, possuem a rara humildade dos gênios, artistas que o Brasil precisa reconhecer, respeitar, exaltar.
CANAL + ARTE – Como é essa experiência de cantar em bares?
BETO CARATORI – É um aprendizado, mas é pedreira. Eu começava lá pelas oito, oito e meia e ia até umas três da madruga. Fiz muito conhecimento, sofri alguns assédios de fãs (Rsrs), passei por momentos engraçados, outros nem tanto... Uma vez, eu estava em cima do palco de um bar cantando, de costas para uma grande janela que dava pra rua. Percebi a turma lá fora olhando, apontando, rindo. Minha calça, de tecido fino, havia se descosturado e eu estava com os fundilhos à mostra. (Rsrsrs). Tratei de me enrolar depressa numa toalha de mesa.
CANAL + ARTE – Sensualizando sem saber. (Rs).
BETO CARATORI – O samba me deu a felicidade de conhecer artistas valorosos como o Seu David do Pandeiro, Eliane Faria, Seu Roberto Silva, o Marcos Sacramento, o trombonista Raul de Barros... E a galera mais nova que está aí. Numa roda na Gamboa, cai nas graças do saxofonista Mário Pereira. Ele, praticamente, me obrigava a acompanhá-lo e só cantar Cartola. Não abria a guarda para outro compositor. (Rsrs).
CANAL + ARTE – Eram as preferidas dele. Tinha que obedecer (Rsrsrs).
BETO CARATORI – Amo Cartola, assim como Nelson Cavaquinho, Zé Keti e tantos outros. Porém, Noel é o meu preferido. Canto há anos.
CANAL + ARTE – Nunca se arriscou a compor?
BETO CARATORI – Tenho algumas composições. A questão é que sou muito crítico. Mostro uma coisinha aqui e ali. Mas vou descobrindo tanta coisa boa... Aí, me recolho.
CANAL + ARTE – Realmente, o brasileiro, musicalmente falando, é uma fonte rica e inesgotável. Uma pena, o que a mídia divulga.
BETO CARATORI – Pena mesmo. Se a canção é boa, de qualidade, ela emociona e educa. Pra se dançar então... Lindas melodias me levaram pelos bailes da cidade e cheguei a ser professor de dança de salão. Através da música, conheci ídolos e dividi palco com alguns.
CANAL + ARTE – Então, o Beto Caratori, nessas três décadas, tem histórias pra contar.
BETO CARATORI – Sim. E espero que ainda venham muitas outras e boas.
CANAL + ARTE – Você participou de festivais, não foi?
BETO CARATORI – Ganhei três. Dois como intérprete. Um defendendo música. Mas não sou competitivo. Gosto de agregar. Tanto que integrei um quarteto vocal e naipes de tenores em quatro coros. Numa roça, estive num coral animando chegada de um Papai Noel desmilinguido. O cavalo da charrete desembestou. Foi um Deus nos acuda.
CANAL + ARTE – Experiência como coralista. É interessante, não é?
BETO CARATORI – Muito. Foi legal. Mas agora prefiro seguir sozinho. Uma cabeça só pra decidir. Sozinho, fiz rádio, TV, gravei trilha de desenho animado e jingle de candidato, cantei em barzinho, teatro, na rua, em palácio, no Complexo do Alemão, em casamento, em funeral... Fui puxador (ou intérprete?) em três blocos carnavalescos. Experiências inesquecíveis que pintaram depressa, que eu topei, sem a dependência de outros integrantes pra polemizar, questionar roteiro, ensaiar à exaustão...
CANAL + ARTE – Algum projeto para depois desse show?
BETO CARATORI – Por enquanto, estou focado nele. Mas penso em montar um roteiro sobre Gonzaguinha e outro sobre Johnny Alf. Quem sabe também Batatinha e Capiba.
CANAL + ARTE – E sua expectativa com o que vai acontecer no Centro de Referência?
BETO CARATORI - Nas sete vezes em que subi naquele palco, foi plena satisfação. Gosto muito daquele lugar. Eu adoro shows temáticos e levei ali a obra de Braguinha e Alberto Ribeiro, apresentei o universo de Lamartine Babo e fiz curta temporada para comemorar o centenário do Noel Rosa. Agora retorno ansioso, animado para mais esse que, no próximo dia 19 de abril, será uma grande celebração.
CANAL + ARTE – Com certeza. Nós, do Canal + Arte, lhe desejamos boa sorte e sucesso.

BETO CARATORI – Mais uma vez, obrigado. Será bonito, porque nós, artistas brasileiros, unimos criatividade e descontração para compensarmos a falta dos aparatos espetaculosos. Nossa Disneylândia aqui é outra. Enfim... Aqui, como diz a música do Wilson Batista, ganha-se pouco, mas é divertido. 

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